domingo, 23 de março de 2014

Supervisão Pedagógica

REUNIÕES PEDAGÓGICAS
Roseni Lessa Lopes[1]
Ana Fausta Borghetti²
RESUMO
Esse artigo foi elaborado com base nas observações de reuniões pedagógicas realizadas em duas escolas da rede pública do Litoral Norte. Uma estadual localizada no município de Osório e outra municipal, localizada no município de Tramandaí.
Durante a observação foi investigado se as reuniões de escolas públicas são momentos de estudo, discussão e reflexão sobre a prática pedagógica, foi observado como são organizadas as reuniões em relação; procuramos identificar momentos de estudos coletivos nas reuniões pedagógicas e averiguáramos se havia a existência de momentos de debates reflexivos sobre a prática educativa.

PALAVRAS-CHAVE
Reuniões pedagógicas. Práticas pedagógicas.
INTRODUÇÃO
Pensar sobre a forma como são elaboradas as reuniões pedagógicas nas escolas é uma temática relevante, já que esse momento tem grande importância para o trabalho pedagógico podendo qualificar a prática docente e diminuir com processos de fragmentação do saber. É no momento das reuniões que professores podem promover espaços de troca de saberes, experiências, falar de seu trabalho, aprender pela prática educativa no coletivo. Esse momento pode romper com processos de alienação e fragmentação do conhecimento, tantas vezes discutidos por tratar o saber como forma segmentada.
Nesse trabalho colaborativo entre professores, alunos e gestão escolar é possível atribuir mecanismos para a reflexão, estudo e aproximação entre a teoria e a prática numa ação que contempla o pensamento crítico e reflexivo.
O formato das reuniões pedagógicas apresentados nas escolas têm deixado alguns questionamentos quanto ao seu andamento. São momentos que podem ser pensados a partir da produção de conhecimento e do estudo coletivo, contudo às vezes são temas deixados de lado. Esses encontros são momentos muito importantes para o funcionamento da escola, tratando-se de ocasiões em que os professores podem falar de suas angústias, de sua ação docente, espaço onde se pode discutir de forma coletiva com vistas a qualificar o trabalho do professor, agregando qualidade a prática educativa.
Esse artigo fundamenta-se com base nessas questões, que são de extrema relevância para a ação do professor, para a produção de conhecimento, para a formação continuada, para a qualificação do professor e para a consolidação de uma educação de qualidade.
As reuniões pedagógicas deveriam constituir um momento de aprendizagem para os professores, mas geralmente se voltam para recados, avisos e organização de espaço e apresentações decorrentes de datas comemorativas. Questões de aprendizagem devem ser temas constantemente debatidos nas reuniões escolares, para que esse momento seja mais um instrumento de contribuição no processo de ensino e aprendizagem.
Esses períodos podem contribuir para formação do professor, vale salientar que é na relação com os colegas que professores podem pensar suas práticas num momento de reflexão, fundamentação e construção teórica. Essas questões são de extrema relevância para a ação docente, devendo tornar-se uma prática cotidiana nas escolas.
Durante a realização desse trabalho objetivou-se investigar se as reuniões de escolas públicas são momentos de estudo, discussão e reflexão sobre a prática pedagógica, observar como são organizadas as reuniões em relação a situações de aprendizagem, identificar momentos de estudos coletivos nesses encontros e averiguar momentos de debates reflexivos sobre a prática educativa.
REFERENCIAL TEÓRICO
As reuniões pedagógicas têm a função de proporcionar aos professores momentos de trocas de experiências, angústias e saberes.  Nem sempre esses são momentos proporcionados aos professores que muitas vezes precisam dividir esse espaço com assuntos burocráticos e recados. A reunião pedagógica deve ser um momento de partilha para que se possa buscar a aproximação entre a teoria e a prática, rompendo com processos de rupturas na educação. Dessa forma, Libâneo salienta que:

[...] uma prática reflexiva - nas reuniões pedagógicas, nas entrevistas com a coordenação pedagógica, nos cursos de aperfeiçoamento, nos conselhos de classe e etc. – leva a uma relação ativa e não queixosa com os problemas e dificuldades. (LIBÂNEO, 2001 p 190)

É nessa relação de troca de saberes e experiências que é possível efetivar a prática docente e a construção do professor em momentos de estudos e debates que acontecem no coletivo. Vasconcellos afirma que

devemos considerar que o trabalho do professor tem uma dimensão essencialmente coletiva: não é o único que atua na escola e o que faz não é para si, já que presta um serviço a comunidade. Além disto, o sujeito isolado, lutando por uma nova ideia, não vai muito longe. A reunião semanal é um momento especial para o resgate deste coletivo. (VASCONCELLOS, 2006 p 120)

É no momento das reuniões que professores podem estabelecer suas parcerias, trocar e qualificar suas ideias, agregando experiências dos outros e formando seu grupo de trabalho. Ter essa visão do trabalho coletivo é importante para que a troca aconteça efetivamente. É nesse momento que o trabalho do coordenador possui extrema importância, já que ele tem a função de articular saberes da prática dos professores com conhecimento teórico, criando oportunidade de debate e reflexão, aproximando teoria e prática. Quanto ao trabalho do coordenador pedagógico, Libâneo ressalta que

seu trabalho está a serviço das pessoas e da organização, requerendo deles uma formação específica para buscar soluções para os problemas, saber coordenar o trabalho conjunto, discutir e avaliar a prática, assessorar e prestar apoio logístico aos professores na sala de aula. (LIBÂNEO, 2001 p 181)

Além de criar um ambiente propício ao estudo e a resolução de problemas o trabalho do coordenador pedagógico deve envolver-se profundamente com questões de aprendizagem, a fim de que se possa promovê-la. Para o pesquisador e escritor Libâneo (2001) a prática do coordenador pedagógico deve acontecer de maneira que possa haver troca e situações de reflexão e investigação sobre o trabalho docente.  Nesse sentido, Libâneo colabora ao dizer que

a coordenação pedagógica tem como principal atribuição a assistência pedagógico-didática aos professores, para se chegar a uma situação ideal de qualidade de ensino (considerando o ideal e o possível), auxiliando-os a conceber, construir e administrar situações de aprendizagem adequadas às necessidades educacionais dos alunos (LIBÂNEO, 2001p 183.

O trabalho do coordenador nas reuniões deve priorizar questões de aprendizagem, das dificuldades encontradas pelo professor na sua ação. Colaborar com os professores, para que possam buscar, na medida do possível, ações para as dificuldades encontradas, pensando ações de aprendizagem, de avaliação, currículos e tudo aquilo que constitui a essência da escola.
As reuniões pedagógicas devem acontecer periodicamente, nesses encontros os professores e a coordenação podem abordar questões necessárias ao andamento da escola, como a passagem de recados e a organização de eventos escolares. Mas é crucial que a prática pedagógica, a troca de experiência, a voz dos professores sobre sua prática devem sempre estar em evidência, pois isso constitui um momento rico de formação continuada, é na ação diária da prática pedagógica que o sujeito se constitui como professor, elaborando questões do cotidiano. Dessa forma, Libâneo contribui ao afirmar que
a formação continuada é condição para a aprendizagem permanente e o desenvolvimento pessoal, cultural e profissional. É na escola, no contexto do trabalho, que os professores enfrentam e resolvem problemas, elaboram e modificam procedimentos, criam e recriam estratégias de trabalhos e, com isso, vão promovendo mudanças pessoais e profissionais. (LIBÂNEO, 2001 p.189)

É no ambiente da escola, na ação diária que o professor aprende a lidar com as várias situações que se apresentam. Isso constitui um espaço contínuo de aprendizagem e elementos de pesquisa para além da formação continuada e sim uma formação permanente, o professor está em contínuo processo de aprendizagem, por tratar-se de uma profissão essencialmente humana. Nesse sentido Libâneo salienta que

uma formação permanente que se prolonga por toda a vida, torna-se crucial numa profissão que lida com saberes e com a formação humana, numa época em que se renovam os currículos, introduzem-se novas tecnologias, modificam-se os comportamentos da infância e da juventude, acentuam-se os problemas sociais e econômicos. (LIBÂNEO 2001 p 189)

A escola é um ambiente extremamente segmentado e burocratizado, podemos verificar isso nos temas que aparecem com frequência nas pautas das reuniões, e que de certa forma tornam-se os principais assuntos. Vasconcellos (2006), diz que a reunião semanal pode transformar-se num momento de reflexão, em que os professores podem partilhar de suas experiências e angústias e também de seus sonhos. Esse momento, quando bem organizado e elaborado pode contribuir também para a construção de projetos e para o estudo. Nesse sentido Vasconcellos afirma que

esta atividade favorece a consolidação de uma continuidade educativa (por possibilitar a superação de célebres justaposições ou rupturas no processo de ensino), bem como a formação de uma autêntica equipe de trabalho, dando maior coesão e interação, e não apenas o ajuntamento de profissionais que, por mais brilhantes que sejam, se não desenvolverem esta competência de trabalhar coletivamente, não garantem o processo emancipador. (VASCONCELLOS, 2006 p 121)

Nessa ação de refletir coletiva e criticamente a prática pedagógica que é possível discutir uma ação transformadora, observar aspectos negativos e positivos e considerar elementos que podem ser agregados no trabalho do professor. Dessa forma, Vasconcellos colabora ao dizer que

a reunião pedagógica é um espaço privilegiado para resgate do saber de mediação do professor, qual seja a mediação que o docente faz entre os saberes das ciências de referência com as quais trabalha e os saberes pedagógicos (o saber do cotidiano da sala da aula). Todavia, o saber do professor tem outra referência: sua prática refletida, que vai além do modelo clássico Teoria/Prática, no qual o professor, durante sua formação, aprenderia conceitos gerais e abstratos que trataria depois de traduzir em práticas concretas. (VASCONCELLOS, 2006 p 123)

As reuniões pedagógicas são momentos de aprendizagem, aprende-se pela ação do outro, na troca de experiência, no processo de colocar sua ação docente em questão, suas dificuldades, pensar coletivamente sobre que aspectos favorecem o processo de aprendizagem.

METODOLOGIA
Esse artigo foi elaborado a partir de uma pesquisa qualitativa, caracterizada como estudo de caso, realizada por meio de observações em duas escolas, uma municipal localizada em Tramandaí, que atende turmas de 1°  até o 6° ano e a outra, uma escola estadual no município de Osório, que oferece de 1° ano do ensino fundamental até o ensino médio. Os dados coletados foram registrados num diário de campo para serem confrontados com teóricos que tratam dessa temática. Os teóricos escolhidos para a análise são Vasconcellos (2006) e Libaneo (2001). No decorrer do trabalho foram observadas 15 horas na escola municipal e 21 horas de reuniões na escola estadual, totalizando 36 horas observadas.
A escola estadual segue um cronograma realizado no início do ano onde constam as datas das reuniões previstas para o decorrer do ano letivo, com as respectivas temáticas a serem discutidas. Vale salientar que quando necessário essas reuniões são mudadas de acordo com a necessidade, há uma regularidade nos períodos das reuniões, que são de quinze em quinze dias aproximadamente e o tempo de duração dessas reuniões é de 4 horas. Inicialmente as reuniões eram apenas para as professoras dos anos iniciais e depois esses professores foram encaminhados para a formação que acontece na escola com os professores do ensino médio.
Na escola municipal as reuniões são marcadas de acordo com a necessidade, sem aviso prévio, sendo divulgadas, às vezes, na semana em que vai acontecer e são raríssimas as vezes em que são discutidos temas específicos de ensino/aprendizagem, estabelecendo sua pauta em recados e a maneira como os professores devem proceder com seus alunos nos assuntos referentes a disciplina.
RESULTADOS
Há certa distância entre a teoria e a realidade sobre a forma como acontecem as reuniões pedagógicas nas escolas. As reuniões têm acontecido de forma mecânica e compartimentada, demonstrando pouca preocupação com a verdadeira essência da escola: o processo ensino-aprendizagem.
Essa realidade acarreta mais distâncias e rupturas no fazer pedagógico no interior das escolas. São poucos ou inexistentes os momentos de debate e reflexão, promovendo um histórico de alienação. Nesse sentido Vasconcellos ressalta que

Sabemos que a fragmentação da vida e do saber fragiliza a pessoa, e é uma estratégia da classe dominante para sua perpetuação. Um dos macroprocessos que se instalou em nossa civilização é precisamente a divisão social do trabalho: uns pensam, decidem e ficam com os resultados; outros executam e recebem o mínimo para sobrevivência. (VASCONCELLOS, 2006 p 119)

Essa é uma divisão da sociedade, que a escola reproduz no seu interior. O saber é fragmentado, as pessoas estão isoladas, o currículo é dado a priori, desconsiderando o grupo de alunos e professores. A escola como espaço de promoção do saber, precisa romper com esse processo que segmenta e desagrega. As reuniões podem ser um bom momento para elaborar questões de aprendizagem e currículo de forma reflexiva, a partir do conhecimento daqueles que estão envolvidos nesse processo. Nesse sentido Libâneo corrobora dizendo que
[...] nesse espaço é possível a criação e desenvolvimento de novos comportamentos, novos habitus. Reaparece, aí, a necessidade de as escolas cultivarem momentos de prática reflexiva, pois dessa reflexão sobre a ação podem nascer mudanças na estrutura de relações vigente na escola visando criar uma nova cultura organizacional. (LIBÂNEO 2001 p 195)

Ao ser questionado sobre a existência de um momento para debate sobre a prática educativa a escola A responde que há, mas é um debate que fica limitado as queixas das professoras sobre o comportamento dos alunos, havendo pouca exposição do trabalho e partilha de saberes. A escola B respondeu que não há nas reuniões esse espaço mas que sempre está aberta para ouvir os professores, podendo realizar atividades para isso, e que no momento do conselho de classe cada um tem tempo para suas exposições. Dessa forma Libâneo diz que

a organização desse espaço implica a criação de lugares e tempos que incentivem as trocas de experiências entre os professores e professores e alunos, de modo a se implantar uma cultura colaborativa. Há um papel de destaque nisso da direção e coordenação pedagógica da escola para apoiar e sustentar esses espaços de reflexão, investigação, negociação e tomadas de decisão colaborativa. (LIBÂNEO, 2001 p 196)
Quando questionados sobre a existência de um momento para estudo dos professores nas reuniões pedagógicas a escola A mencionou sempre levar um texto para discussão e debate e a escola B disse nunca ter levado um tema para estudo nas reuniões.
Os dados coletados nas escolas demonstraram uma visão fragmentada, um momento coletivo, de importância para a educação, utilizado de forma equivocada, com temas que desestimulam os professores, não acrescentam saber a sua ação e tampouco colaboram para a produção da prática refletida, tornando uma constância no processo educacional. Nesse sentido Vasconcellos ressalta que

os sujeitos vão sendo despertados para uma nova consciência pela convivência reflexiva, e isso permite a cada um assumir tarefas num nível cada vez mais profundo e crítico. Esta prática vai minando a corrente de alienação e prepara um movimento maior de mudança. A escola deve participar desse processo: uma nova estrutura, para favorecer a reagregação do homem, deve permitir o encontro, a reflexão, a ação sobre a realidade, numa práxis libertadora. (VASCONCELLOS, 2001 p 119)

A escola tem em seu poder grandes momentos para romper com esses processos, que colaboram para promoção da alienação. Utilizar esses momentos para tornar a prática refletida colabora para a promoção de uma prática transformadora.
É necessário que as escolas se organizem de maneira que os professores tenham mais espaços nas reuniões pedagógicas, que possam participar delas como produtores, daquilo que é necessário para o fazer pedagógico e não para apenas aquilo que é apontado como falha do professor nas instituições. É evidente que o professor precisa estar em constante formação e que deve procurar aperfeiçoar questões que lhes apresentam mais dificuldades.
Foi observado na escola A que existe um pouco mais de preocupação com questões pedagógicas do que na outra, contudo, ainda assim essa temática é deixada para o final, bem como o momento de planejamento, dando prioridade para assuntos administrativos e recados que são passados no início das reuniões. Sendo assim, os momentos restantes são divididos entre planejamento, troca de experiências e questões de aprendizagem.
Na escola B os momentos das reuniões pedagógicas são realizados com menos frequência e os assuntos dominantes nas reuniões são questões administrativas, onde são passados recados e instruções de como os professores devem organizar as turmas para que haja disciplina. Nessa escola foi percebido um envolvimento menor com a temática ensino/aprendizagem, não havendo nenhum momento de troca de saberes e experiências, sendo que os professores dessa escola acabam realizando atividades que deveriam ser feitas no coletivo de forma isolada.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 Ainda será preciso mais discussões e orientações sobre o tratamento das reuniões como espaço de aprendizagem e troca de experiências, percebe-se que se têm um logo caminho a ser percorrido, para que efetivem a prática pedagógica como protagonista do sistema educacional.
Embora as discussões apontem para que esse seja um espaço democrático e não fragmentado ainda se trata de um território hostil. Em algumas situações por falta de envolvimento por parte dos professores, e em outras por condução inadequada dos gestores. A questão que poderia romper com esses processos existentes na escola, poderia ser uma mudança na postura dos professores, levantando essas questões nas reuniões, propondo momentos de interação com os outros professores e de troca de saberes e experiências.
Isso constituiria numa tomada de posição, em que o professor sai de uma situação de acomodação para o envolvimento nessas questões referentes à aprendizagem e a abertura de espaços, por parte dos gestores, para que os professores possam se manifestar.
A grande questão é que estamos caminhando obrigatoriamente para que esses momentos tenham como prioridade os encaminhamentos pedagógicos, de maneira que nesse espaço possa haver trocas de experiências e estudos, e que questões de salas de aulas, conflitos das relações pessoais dos envolvidos nesse processo (alunos, professores, famílias e gestores) possam caminhar ao encontro de soluções possíveis para as dificuldades vivenciadas no interior das escolas.

REFERÊNCIAS
LIBÂNEO, José Carlos. Organização e gestão da escola: teoria e prática. Goiânia: Editora Alternativa, 2001.
VASCONCELLOS, Celso dos Santos. Coordenação do trabalho pedagógico: do projeto político-pedagógico ao cotidiano da sala de aula. São Paulo: Libertad Editora, 2006.



[1] Graduanda do curso de Pedagogia/ CNEC - Osório/RS – FACOS
² Professora orientadora /CNEC – Osório/RS – FACOS.

Projetos de Trabalho

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICO-METODOLÓGICA

Para a realização do Estágio Supervisionado nos Anos Iniciais, a proposta metodológica será organizada por Projetos de Trabalho, por se tratar de uma forma aberta e democrática de trabalho, em que o conhecimento pode ser construído e revisto; de acordo com Hernández e Ventura (1998) “os Projetos de trabalho são uma resposta – nem perfeita, nem definitiva, nem única”- nesse sentido acredito ser possível a construção diária de nossa proposta, abrindo espaço para o novo e o inesperado e principalmente para o interesse do aluno. No diz respeito quanto a função dos projetos, Hernández e Ventura pontuam que,
A função do projeto é favorecer a criação de estratégias de organização dos conhecimentos escolares em relação a: 1) o tratamento da informação, e 2) a relação entre os diferentes conteúdos em torno de problemas ou hipóteses que facilitam aos alunos a construção de seus conhecimentos, a transformação da informação procedente dos diferentes saberes disciplinares em conhecimento próprio. (HERNÁNDEZ E VENTURA, 1998 p. 61)
Partindo do conhecimento prévio do aluno, proporcionar a eles momentos de troca e de busca, incentivando-o a ser protagonista no decorrer deste processo, criando condições para que ele possa se constituir enquanto pesquisador, como se pensa uma proposta a partir dos métodos globalizados. De acordo com Zabala,
[...] os métodos globalizados nascem quando o aluno é considerado protagonista do ensino, isto é, quando o fio condutor da educação desloca-se das matérias para os alunos e, assim, para suas capacidades, seus interesses e suas motivações. (ZABALA, 2002, p. 197).
Assim torna-se necessária aplicação de um trabalho que possibilite ao aluno manter uma relação com o objeto de seu estudo, refletindo de maneira crítica sobre as possibilidades que ele possa encontrar. Ao professor fica a possibilidade de trabalhar os conteúdos de diversas áreas do conhecimento, de maneira globalizada, mediando o processo de busca do aluno, observando e norteando de maneira que possa haver progressos em sua aprendizagem, nesse sentido Hernández e Ventura salientam que,
[...] a organização dos Projetos de trabalho se baseia fundamentalmente numa concepção da globalização entendida como um processo muito mais interno do que externo, no qual as relações entre conteúdos e áreas do conhecimento têm lugar em função das necessidades que traz consigo o fato de resolver uma série de problemas que subjazem na aprendizagem. (HERNÁNDEZ E VENTURA, 1998 p. 63)
Pela necessidade de trabalhar os conteúdos de maneira globalizada e de fazer com que o processo de aprendizagem se dê forma significativa, tanto para aquele que aprende, quanto para aquele que ensina, e que esta relação de troca entre os saberes possa se estabelecer de forma plena em sala de aula. De acordo com Hernández e Ventura,
Um sentido da aprendizagem que quer significativo, ou seja, que pretende conectar a partir do que os estudantes já sabem, de seus esquemas de conhecimento precedentes, de suas hipótese (verdadeiras, falsa ou incompletas) ante a temática que se há de abordar. (HERNÁNDEZ E VENTURA, 1998 p. 62)
Nesse sentido Zabala ressalta que,
Além da necessidade de dotar de significatividade as aprendizagens, o fato de partir de situações próximas também é o meio para criar condições facilitam o trabalho, pois fomenta a atitude favorável para com a aprendizagem ou, se se deseja, a motivação intrínseca. (ZABALA, 2002 p. 217).
Com relação ao ensino globalizado, de maneira significativa, com conteúdos que tenham relação com a vida do sujeito que aprende e participa de uma sociedade, Zabala pontua que,
O ensino de todos aqueles conhecimentos, estratégias, técnicas, valores, normas e atitudes, que permitam conhecer, interpretar e atuar nessa realidade deveriam partir de problemas concretos, de situações verossímeis, de questões específicas de uma realidade global e mais ou menos próxima dos interesses e das necessidades dos futuros cidadãos e cidadãs adultos, membros ativos de uma sociedade que nunca colocará problemas específicos disciplinares. (ZABALA, 2002, p. 215).
Acrescento a possibilidade de trabalhar e dar visibilidade às coisas de crianças, numa proposta que sem coerência, a educação para crianças nada tem do universo infantil, de sua realidade, de seu interesse mais particular. Vejo no trabalho com Projetos a possibilidade de trazer para dentro do cotidiano escolar, aquilo que é importante para eles, pensado na lógica do ponto de vista infantil.
Com isso pretendo possibilitar momentos de experiências significativas, de maneira que o aluno possa vivenciar as etapas de construção do conhecimento, rompendo com essa estrutura vigente no nosso ensino de transmissão do conhecimento, que esse aluno possa se constituir enquanto cidadão, pela prática educativa, tendo como base, inclusive conhecimentos construídos pela escola, ou seja, o processo de aprendizagem também pensa em situações de vida que o aluno encontra fora do ambiente escolar.
Com o objetivo de estabelecer vínculos com o mundo real e partir de problemas extraídos da realidade, os métodos globalizados tentam prover as crianças de meios e instrumentos de maneira que, em determinado momento, possam realizar a difícil tarefa de aplica-los nas complexas situações que a vida em sociedade lhes colocará. (ZABALA, 2002 p. 216). 
A contemporaneidade pede outras configurações de aprendizagem, é preciso pensar maneiras diferentes de ensinar, já que cada vez mais os alunos têm maneiras diferentes de aprender, com isso, por meio do trabalho com Projetos, na perspectiva de um ensino globalizado busco contemplá-los na sua totalidade ou no maior número possível de alunos. Romper, ainda que aos poucos, com metodologias em que o ensino se dá de maneira fragmentada, descontextualizada e que nada tem haver com a realidade do aluno.

Se o currículo de modo geral precisa ser organizado de maneira mais eficiente, para que possa tornar o ensino mais atrativo, mais próximo do aluno, é também, nas práticas individuais do dia a dia do professor que essa relação pode se estabelecer de forma significativa.

Projeto Alfabetização e letramento

ABRINDO AS CAIXAS DAS IDEIAS
TEMA: Literatura Infantil
JUSTIFICATIVA
Elaborar uma proposta com foco no ensino da leitura, através da literatura, contribui para o desenvolvimento do sujeito enquanto leitor. Muito mais que melhorar a escrita e incentivar o gosto e o hábito pela leitura, um trabalho com propostas e estratégias de leitura pode acionar mecanismos que contribui principalmente para elaboração do pensamento crítico e a imaginação que a literatura pode promover. Nesse sentido Baldi (2009) pontua que,
É preciso alimentar a imaginação de nossos alunos, compartilhar leituras com eles e oferecer-lhes experiências de fruição para que descubram os encantos da literatura como uma forma de arte que possibilita conhecerem melhor a si mesmos, ao mundo e aos que o cercam, para que se tornem pessoas mais sensíveis, mais críticas, mais criativas. (BALDI, 2009, p. 8)
Temos vivido tempos de muitos conflitos dentro da escola, no entanto, é nesse espaço que dispomos dos materiais significativos para proporcionar o contato das pessoas com esse tipo de arte, a literatura, parte dessa estrutura, pode nos auxiliar inclusive no tratamento das relações humanas, de como podemos ser pessoas melhores, mais solidárias. De acordo com Baldi (2009, p. 9), a literatura “é capaz de tornar pessoas melhores, não só intelectual, mas emocionalmente, porque desperta o que de melhor existe em nós”. Nesse novo momento é também competência da escola pensar propostas com foco no desenvolvimento das pessoas para uma sociedade melhor, com pessoas que se respeitam e convivem em harmonia.
Importante ainda ressaltar outros benefícios do trabalho a partir da literatura, como a possibilidade de sonhar, de se entregar a uma leitura, viajar, proporcionar momentos de autoconhecimento, despertar a curiosidade que é natural nas crianças. Baldi (2009), afirma que:
[...] podemos pensar a literatura como uma das formas de acesso a outras referências que nos permitem sonhar ou sair de uma situação de controle racional, sem medo de nos perdermos, ou seja, que nos permitem os deslocamentos, a liberdade, o exercício da curiosidade e do espirito aventureiro de que tanto precisamos para enriquecer nossa vida e nos mantermos saudáveis. (BALDI, 2009, p. 9).
Pensando nesses aspectos, olhando para as crianças como seres completos, sujeitos que aprendem, sentem, vivem, interagem com a sociedade, escolho esse tema para proporcionar momentos de prazer, de entrega, descoberta e acima de tudo na construção de pessoas melhores para um mundo melhor.
OBJETIVO GERAL:
Promover um espaço de leitura no qual percebam o quanto é possível aprender através das histórias, percebendo-se como participante e construtor da história das coisas que há no mundo.
OBJETIVOS ESPECÍFICOS:
LÍNGUA PORTUGUESA
Desenvolver a oralidade
Escrever palavras corretamente
Construir frases
Ler e compreender histórias
Ler e recitar parlenda e trava-línguas
Conhecer diferentes parlendas e trava-linguas
Identificar verso, estrofe e rima na poesia
Conhecer algumas características da poesia
Interpretar textos
Localizar informações no texto
Inferir informação implícita no texto
Ler um texto identificando a sequência dos fatos
Identificar e reconhecer diferentes tipos de portadores de texto
MATEMÁTICA
Fazer contagem um a um
Agrupar quantidades em dezena
Resolver problemas envolvendo adição e subtração
Ler dados em tabelas e gráficos
Identificar e reconhecer os números até 99
Realizar a sequência numérica
Reconhecer e compreender os termos dúzia e meia dúzia


HISTÓRIA
Conhecer a declaração dos diretos da criança
Compreender que existem muitas situações que desrespeitam os diretos da criança
Compreender as causas da existência do trabalho no passado e no presente
Conhecer algumas formas de trabalho infantil no passado e no presente
Conhecer  algumas invenções da humanidade
GEOGRAFIA
Compreender as formas pela quais a sociedade se organiza o espaço
Construir o conceito de representação
Ler os espaços representados
CIÊNCIAS
Compreender a importância da reciclagem
Conhecer o habitat natural de alguns animais
Conhecer os efeitos

ARTES
Confeccionar trabalhos manuais
Desenvolver a motricidade fina
EDUCAÇÃO FÍSICA
Desenvolver o espirito de equipe
Promover socialização
Desenvolver a coordenação, agilidade, concentração, equilíbrio e lateralidade e força
ENSINO RELIGIOSO
Conhecer e respeitar a diversidade
Promover situações de reflexão sobre respeito, valores, respeito, solidariedade e ética
CONTEÚDOS:
Leitura
Escrita
Pontuação
Letra maiúscula e minúscula (script)
Construção de palavras e frases
Produção textual
Interpretação
Expressão oral
Poesia
Parlenda
Trava-língua
Números e numeral até 99
Sequência numérica
Unidade e dezena
Dúzia e meia dúzia
Interpretação de problemas
Adição e subtração
Reciclagem
Expressão artística
Estatuto da criança e do adolescente
Solidariedade
Ética
Valores
Psicomotricidade
METODOLOGIA:
A metodologia utilizada para elaboração das atividades desse projeto contará com contação de histórias, jogos, figuras e imagens baseadas nas histórias ouvidas, confecção de cartazes, pesquisa e flagrante literário.
Será proposto aos alunos atividades em que possam expressar seus sentimentos através da história ouvida e de atividades de expressão artística.
RECURSOS:
Livros
Cartazes
Papeis diversos (cartolina, pardo, cartaz, color set...)
Datashow
Netbooks
Internet
Jogos
Material dourado
AVALIAÇÃO:
A avaliação se dará por meio de observação da participação e do interesse dos alunos nas atividades propostas, observando se essas atividades estão sendo significativas para os alunos. Assim a avaliação assume o sentido da ideia fundamental dos Projetos, colocar sentido naquilo que se aprende. Para Hernández e Ventura
“A avaliação com um sentido significativo não é só a avaliação dos alunos. É, sobretudo, a contrastação das intenções da professora  com sua prática. O resultado é sempre o inicio do planejamento de intervenção posterior. (HERNÁNDEZ E VENTURA, 1998, p. 91)
Assim a avaliação também assume o caráter de observação do trabalho da professora. É nesse momento de observação que é possível refletir sobre sua prática, possibilitando o enriquecimento daquilo que vai ser proposto no próximo momento, tornando esse processo mais prazeroso e significativo.
REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Fernanda Lopes de. A curiosidade premiada. São Paulo: Ática, 2008.
BALDI, Elizabeth. Leitura nas séries iniciais: uma proposta para formação de leitores de literatura. Porto Alegre: Projeto, 2009.
CARVALHO, Ana Cecília; REIS, Robinson Damasceno dos. O ourives sapador do Polo Norte: Como fazer pesquisas e anotar informações. Belo Horizonte: Formato Editorial, 1995.
FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. São Paulo: Cortez, 2011.
HERNÁNDEZ, Fernando; VENTURA, Monstserrat. A organização do currículo por projetos de trabalho: o conhecimento é um caleidoscópio. Porto Alegre: Artmed, 1998.
NUNES, Vinicius. Vinicius e a vendedora de doces, disponível: http://nerdinformando.blogspot.com.br/2011/08/vinicius-e-vendedora-de-doce.html acessado em 30 de setembro de 2012.
QUEIROZ, Tânia Dias; MARTINS, João Luiz. Pedagogia lúdica: Jogos e brincadeiras de A a Z. São Paulo: Rideel, 2002. 
ROCHA, Ruth; ROTH, Otávio. O livro das letras. São Paulo: Melhoramentos, 2009
SOUZA, Herbert de. A centopeia que pensava. Rio de Janeiro: Salamandra, 1999.
SOUZA, Maurício de. O Direito das Crianças, Estatuto da Criança e do adolescente, disponível em: http://amoaeducacaoinfantil.blogspot.com.br/2009/09/direitos-das-criancas.html, acessado em 30 de setembro de 2012.
SOUZA, Rainer. A origem do Dia das crianças, disponível em http://www.brasilescola.com/dia-das-criancas/a-origem-dia-das-criancas.htm acessado em 30 de setembro de 2012
ZABALA, Antoni. Enfoque globalizador e pensamento complexo: uma proposta para o currículo escolar. Porto Alegre: Artmed, 2002.
______________Manual de orientações para produções acadêmicas. Osório: FACOS, 2011.
______________Parâmetros Curriculares Nacionais: Língua Portuguesa, volume 2. Brasília, DF:MEC/SEF, 1997.
___________O Sistema Solar. Formação do Sistema Solar disponível em http://www.emefnewtonreis.kit.net/sistemasolar.htm, acessado em 28 de setembro de 2012.
______________A Origem do Planeta Terra disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=6eKH3btIUlo acessado em 27 de setembro de 2012.
______________A Criação disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=JuxXuS9Pb-E, acessado em 27 de setembro de 2012.
 _____________Animais em extinção, disponível em: http://4.bp.blogspot.com/_Y8WDLurBLzk/TPLIesb3P-, acessado em 28 de setembro de 2012
______________Os animais da criação de Deus, disponível em: http://artesanato.culturamix.com, acessado em 28 de setembro de 2012.
______________Jogos de adição e subtração disponível em http://www.imagem.eti.br acessado em 30 de setembro de 2012.
______________As curiosidades que as crianças adoram, disponível em  http://plantaodaeducacao.blogspot.com.br/2009/06/curiosidades-que-as-criancas-adorammm.html, acessado em 28 de outubro de 2012.
______________Jogo dos Dados, disponível em http://palavraporpalavra1234.wordpress.com acessado em 28 de outubro de 2012.

_____________O nascimento da escrita, disponível em http://www.youtube.com/watch?v=GC8ClPNWv3k&feature=related, acessado em 28 de outubro de 2012.

Artigo Alfabetização e letramento

Alfabetização e letramento: uma via, vários sentidos
RoseniLessa Lopes1
Liége Westermann²
Resumo: Esse artigo foi produzido a partir do projeto sobre alfabetização e letramento, realizado numa escola municipal de Tramandaí no Litoral Norte do RS. Os trabalhos dessa pesquisa ação foram desenvolvidos numa turma de 2° ano, com crianças de 7 a 9 anos e refere-se à realização de atividades de alfabetização e letramento. As atividades foram elaboradas de maneira que pudessem contribuir no processo de alfabetização envolvendo os alunos em situações reais de escrita. Objetivou-se desenvolver práticas cotidianas a fim de compreender como se pode alfabetizar envolvendo a leitura a escrita de forma contextualizada. As atividades propostas foram pensadas de forma que caracterizassem práticas cotidianas de letramento. Foi possível observar grande envolvimento dos alunos e interesse nas atividades de leitura e escrita que tinham com ponto de partida temas de suas vivências.

Palavras-chave: Alfabetização. Letramento. Alfabetização Contextualizada.

Introdução
Os conceitos de letramento têm sido difundidos nas escolas devido a sua importância no contexto social, pensando na alfabetização e letramento como instrumento que leva a formação de bons leitores e posteriormente bons escritores é um caminho que leva ao rompimento de práticas centradas nos mecanismos de decodificação.
A grande discussão existente hoje em torno da alfabetização em relação aos métodos ou a ação mecânica tem levado professores e estudantes a refletirem sobre essa temática, de modo a elaborarem práticas de alfabetização que contemple situações reais de leitura e escrita. Essa discussão que gira em torno das dificuldades dos alunos em compreender o que leem e de se formar enquanto escritores vêm colaborando para que profissionais da área tenham cada vez mais um olhar reflexivo sobre as práticas desenvolvidas nas turmas de alfabetização.
Colocar o aluno em contato com livros e trabalhar a partir de atividades significativas e contextualizadas foram preocupações constantes, com o objetivo de proporcionar ao aluno materiais e momentos de reflexão sobre a construção da leitura e da escrita. Quando o professor age dessa forma, o aluno atribui significado ao ato de aprender.
Pensar a alfabetização com base nas atividades significativas é um compromisso importante para uma alfabetizadora. Assim torna-se urgente colocar os alunos em contato com práticas de alfabetização e letramento, já que atividades de alfabetização mecânicas não favorecem a produção de um leitor e escritor competente.
Portanto, é preciso que os professores reflitam constantemente sobre suas práticas, a fim de colaborarem para uma aprendizagem mais significativa aos alunos, ajudando a produzir leitores efetivos e inseridos no mundo letrado do qual fazem parte.
O conceito de alfabetização e letramento se complementam, por isso, é preciso pensar no processo de construção de leitura e escrita pela ideia de alfabetizar letrando. Percebendo a necessidade de romper com práticas e metodologias tradicionais, que trabalham sobre a ótica de uma alfabetização mecânica, se faz necessário levar para sala de aula propostas de práticas sociais que utilizam a leitura e a escrita.
A preocupação constante durante o desenvolvimento dessa pesquisa foi como alfabetizar envolvendo a leitura e a escrita de forma contextualizada por meio de práticas cotidianas. Assim foi necessário planejar atividades que caracterizem práticas cotidianas de letramento para uma turma de 2° ano, aplicar e desenvolver atividades de alfabetização envolvendo habilidades de leitura e escrita contextualizadas para que ao final fosse possível analisar as práticas desenvolvidas com aporte de teóricos atuais a fim de perceber a validade das mesmas.
Alfabetizar e letrar, conceitos que se completam
A necessidade de trabalhar com práticas contextualizadas na alfabetização vai além do trabalho pensado somente na realidade do aluno, seguindo reflexões sobre o que se aprende. Assim, o professor pode pensar sua prática alfabetizadora na visão do letramento, que é mais do que simplesmente alfabetizar, o que Piccoli e Camini (2012) denominaram de “alfabetismo em uso”. Para alguns teóricos desta área, para além do ato de ensinar a ler e escrever, codificar e decodificar o sistema de escrita é, sobretudo, refletir sobre eles, saber suas funções. (SOARES, 2010)
Segundo Soares “letramento é o resultado da ação de ensinar ou de aprender a ler e escrever: o estado ou a condição que adquire um grupo social ou um indivíduo como consequência de ter-se apropriado da escrita”. (2010 p. 18) Isto não significa de modo algum dizer que basta uma pessoa conhecer as letras, os sons e identificá-las, mas que é preciso saber a função da escrita. Para Kleiman (1995 p. 18), “o letramento significa uma prática discursiva de determinado grupo social”, mas que nem sempre está relacionado com
atividades de ler e escrever, mas com a compreensão de que se tem sobre práticas letradas no cotidiano antes mesmo de ser alfabetizado.
O aprendizado da leitura e escrita deve acontecer em situações reais, como ressaltam Piccoli e Camini (2012 p. 17) ao dizer que o “alfabetismo em uso nada mais é que os significados que a leitura e a escrita adquirem na cultura”. Para isso é necessário que sejam proporcionados momentos de reflexão e interferência. Nesse sentido, Jolibert e Sraïki afirmam que
não se trata primeiro de reconhecer letras, sinais, sílabas ou palavras, e só então pequenos textos. É inserir tudo o que identificamos como índices, seja qual for seu nível, inclusive sílabas, numa construção tenaz do sentido do texto em seu conjunto. (JOLIBERT; SRAÏKI 2008, p. 17)
Por esse viés acontece a prática de letramento ler lendo; escrever escrevendo. Levar as crianças ao entendimento da função do texto, fazendo questionamentos, localizando informações implícitas, levando-os a uma compreensão total da leitura, desprendendo-se de textos que enfatizam determinada sílaba porque a professora está trabalhando no momento. A dificuldade encontrada pelos alunos de compreender o que leem e de sua habilidade escritora, mesmos após os anos de alfabetização, nos faz repensar sobre a forma como trabalhamos com textos, mesmo antes das crianças estarem alfabetizados. As autoras e pesquisadoras, Jolibert e Sraïki salientam que
é necessário desde o início (quer dizer, desde a educação infantil), tanto para ler quanto para produzir, as crianças se encontrem diante de textos integrais autênticos e múltiplos – não de textos escolares – funcionando em situações reais de expressão e de comunicação. (JOLIBERT; SRAÏKI 2008, p. 17)
Um indivíduo pode não saber ler e escrever, mas pode ser letrado porque compreende a função social da escrita, tem interesse em notícias, sabe utilizar corretamente um ônibus, fazer compras porque conhece os rótulos das mercadorias de que precisa. Nesse sentido, Soares afirma que
um adulto pode ser analfabeto, porque marginalizado social e economicamente, mas se vive em um meio que a leitura e a escrita têm presença forte, se se interessa em ouvir a leitura de jornais feita por um alfabetizado, se recebe cartas que outros leem para ele, se dita cartas para que um alfabetizado a escreva [...], se pede que lhe leia avisos ou indicações afixados em algum lugar, esse analfabeto é de certa forma letrado, porque faz uso da escrita, envolve-se em práticas sociais de leitura e de escrita. (SOARES, 2010, p. 24).
Atualmente temos nos deparado com muitos alunos nos anos finais do ensino escolar que não sabem ler e escrever corretamente e apresentam dificuldades em realizar uma compreensão global do material lido. Esses indivíduos, embora tenham se apropriado do
sistema escrito, podem não ter sido expostos às práticas letradas, lendo e escrevendo de forma significativa, ou seja, o aprendizado na alfabetização pode ter ocorrido de forma mecânica, contribuindo para o aparecimento de algumas sequelas nos seus modos de escrever. A escritora Kleiman afirma
podemos definir hoje o letramento com um conjunto de práticas sociais que usam a escrita, enquanto sistema simbólico e enquanto tecnologia, em contextos específicos, para objetivos específicos. As práticas específicas das escolas, que forneciam o parâmetro de prática social segundo a qual o letramento era definido, e segundo a qual os sujeitos eram classificados ao longo da dicotomia alfabetizado ou não alfabetizado, passam a ser, em função dessa definição, apenas um tipo de prática – de fato – dominante que desenvolve alguns tipos de habilidades mas não outros, que determina uma forma de utilizar o conhecimento sobre a escrita. (KLEIMAN, 1995 p 19)
O letramento é também uma tomada de postura, que está relacionada com as práticas do alfabetizador, com seus objetivos, sua tomada política, sua criticidade e de como tenta possibilitar que tais práticas produzam efeitos transformadores nos alunos.
Para melhor compreender o processo em que estão inseridos os conceitos de alfabetização e letramento, é interessante conceituar outros elementos como alfabetizado e analfabetismo.
O minidicionário Aurélio da Língua Portuguesa (2008) define analfabetismo como o “estado ou condição de analfabeto”, e analfabeto é o “que não sabe ler e escrever”. Para o dicionário, alfabetizar é “ensinar a ler” e alfabetização e alfabetizado é “aquele que sabe ler”. Já letrado é aquele “versado em letras, erudito” e iletrado é “aquele que não tem conhecimentos literários”. Segundo o mesmo dicionário letramento significa “estado ou condição de indivíduo ou grupo capaz de utilizar-se da leitura e da escrita, ou de exercê-las como instrumentos de sua realização e seu desenvolvimento social e cultural”.
Mas esses conceitos estão aqui minimizados, simplificados, dando visibilidade somente ao sentido da língua, mas a visão que podemos ter desse assunto é mais ampla. Nesse sentido Soares afirma que
analfabeto é aquele que não pode exercer em toda sua plenitude os seus direitos de cidadão, é aquele que a sociedade marginaliza, é aquele que não tem acesso aos bens culturais de sociedades letradas e, mais que isso, grafocêntricas; porque conhecemos bem, e há muito, esse “estado de analfabeto”, sempre nos foi necessária uma palavra para designá-lo, a conhecida e corrente analfabetismo. (SOARES, 2010, p. 20).
Podemos perceber que o conceito dado pela autora tem maior abrangência, considerando as questões sociais do sujeito, porque percebe o indivíduo e seus diretos, sua condição de excluído e sua posição na sociedade.
Ainda sobre o conceito de analfabeto (Soares, 2010, p 30) diz que, “analfabeto é aquele que é privado do alfabeto, a que falta o alfabeto, ou seja, aquele que não conhece o alfabeto, que não sabe ler e escrever”.
A questão não esta em diferenciar alfabetização e letramento através de seus conceitos, mas de aproximar as contribuições de cada um de forma que o professor possa perceber que a necessidade consiste em alfabetizar letrando, que essa é uma necessidade urgente de ser abordada nas salas de aula, alfabetizar letrando, ou seja, alfabetizar no contexto das práticas sociais, de forma contextualizada, colocando os alunos em situações reais de leitura e escrita. Nesse sentido Piccoli e Camini ressaltam que
[...] para o letramento, a imersão das crianças na cultura escrita, a participação em experiências variadas com a leitura e escrita, o conhecimento e a interação com os diferentes tipos de gêneros de material escrito; para a alfabetização, a consciência fonológica, a identificação das relações fonema-grafema, as habilidades de codificação e decodificação da língua escrita, o conhecimento e o reconhecimento dos processos de tradução da foram sonora da fala para a forma gráfica da escrita. Das relações entre essas facetas, com origens em processos diferentes, emerge então a ideia de alfabetizar em um contexto de letramento, ou de “alfabetizar letrando”, como vem circulando amplamente. (PICCOLI; CAMINI, 2012, p. 20)
É nesse sentido que se faz necessário ter outros olhares para a prática alfabetizadora, considerando o contexto em que estão inseridos os envolvidos nessa ação, de forma que se possa atribuir significado a essa prática, compreendendo o uso da escrita e também percebendo o ensino da escrita como o ensino de uma técnica, não de forma a diferenciá-los, mas compreendendo que alfabetização e letramento são processos que se complementam e que se configuram num caminho para o professor. Assim Piccoli e Camini afirmam que
diferenciar conceitualmente alfabetização de letramento é uma opção e que ambos os processos poderiam ficar sob denominação única, desde que tanto a estrutura do sistema alfabético fossem ensinados e aprendidos na escola ao longo da escolarização [...] Não há uma resposta que seja mais verdadeira do que a outra, um conceito que seja mais correto e adequado do que o outro; são formas que precisam ser conhecidas para que possamos utilizá-las quando nos forem úteis, fazendo escolha intencionais, ciente das implicações que delas decorrem. Para isso, é necessário entender como esses conceitos entram em ação em sala de aula, a partir de métodos produtivos para ensinar a ler e a escrever. (PICCOLI; CAMINI, 2012, p. 26)
A escritora e pesquisadora Magda Soares afirma que a alfabetização e o letramento constituem uma via de acesso ao mundo da escrita, sendo que o conceito de alfabetização vai além de codificar e decodificar o sistema escrito e não se esgota na aprendizagem da leitura e escrita, sendo um processo permanente, “seria um processo de representação de fonemas em grafemas (escrever) e de grafemas em fonemas (ler)”. (2005 p. 16) Contudo essa é uma forma simplista de conceituar o termo, com afirma a própria autora, quando diz que
[...] a alfabetização é um processo de representação de fonemas em grafemas, e vice-versa, mas é também um processo de compreensão/expressão de significados por meio do código escrito. Não se consideraria alfabetizada uma pessoa que fosse apenas capaz de decodificar símbolos visuais em símbolos sonoros, “lendo”, por exemplo, sílabas ou palavras isoladas, como também não se consideraria “alfabetizada” uma pessoa incapaz de, por exemplo, usar adequadamente o sistema ortográfico de sua língua, ao expressar-se por escrito. (SOARES, 2005, p. 16).
A mesma autora chama atenção para outro aspecto, além desses mencionados em relação à codificação e decodificação do sistema escrito e para a compreensão do que se lê e de como se expressa por escrito, que é o aspecto social. Nesse sentido há que considerar o significado de ser alfabetizado em diferentes grupos sociais, considerando as questões culturais, econômicas e tecnológicas.
Soares (2003) diz que “a alfabetização é algo que deveria ser ensinado de forma sistemática, ela não de ficar diluída no processo de letramento”. Que esse processo não pode ser esquecido, desprezado, o que a autora chama de “desinventar” a alfabetização, fazendo relação aos métodos de alfabetização, que foram ano após ano, substituídos um pelo outro. Diz ainda que a falta de um método contribuiu para a precariedade do domínio da leitura e da escrita pelos alunos e que se para alcançar os objetivos o professor precisa partir de um caminho, um método. Acreditou-se que apenas colocar os alunos em contato com o material escrito, fazendo uma interpretação equivocada do construtivismo, seria suficiente para que as crianças se alfabetizassem. Dessa forma Piccoli e Camini ressaltam que
ao contrapor o paradigma conceitual psicogenético aos métodos de alfabetização, produziu-se como verdade que todos os métodos seriam “tradicionais” e, portanto, mecânicos, obsoletos, características das quais as professoras quiseram se afastar, já que “o convívio intenso com material escrito circulante nas práticas sociais” seria suficiente para a criança se alfabetizar, sendo dispensável e, inclusive, equivocada a utilização de métodos. (PICCOLI; CAMINI, 2012, p. 19)
Essas práticas acabaram por levar a uma precariedade no ensino da leitura e escrita, o que levou a alfabetização a ser tema de debates e estudos por parte dos professores e das secretarias de educação. Em parte essa preocupação se dá pela grande quantidade de alunos que chega ao 3° ano sem saber ler, alunos que avançam na escolaridade com grandes dificuldades na escrita e leitura e de compreensão do que estão lendo.
Esses debates têm levantado questões referentes, essencialmente a ação pedagógica, ou seja, a forma como são encaminhadas as ações para se alfabetizar letrando e como os professores se movimentam para, partindo dessa proposta, transformar essa ação numa
aprendizagem contextualizada, contribuindo para que esse momento seja de criação do aluno, que lhes seja proporcionado o papel de autor, que se sintam parte do ato de aprender. Para isso, considera-se necessário trazer o mundo do aluno para dentro da sala, colocando suas vivências como temática central daquilo que se vai aprender. Nesse sentido, Kleiman afirma que
o fenômeno do letramento, então, extrapola o mundo da escrita tal qual ele é concebido pelas instituições que se encarregam de introduzir formalmente os sujeitos no mundo da escrita. Pode-se afirmar que a escola, a mais importante das agências do letramento, preocupa-se, não com o letramento, prática social, mas com apenas com um tipo de prática de letramento, a alfabetização, o processo de aquisição dos códigos (alfabético, numérico), processo geralmente concebido em termos de uma competência individual necessária para o sucesso e promoção na escola. (KLEIMAN, 1995 p 20)
É necessário, além de dar protagonismo aos alunos, compreender e utilizar suas experiências anteriores, como ressalta a escritora e pesquisadora Kleiman (1995) com os conhecimentos trazidos dos meios que estão inseridos e se constituem enquanto agências de letramento, que são culturas e conhecimentos obtidos nas comunidades em que vivem.
Para Kleiman (1995), há que se ter um cuidado para não separar oralidade e escrita. A autora afirma que a família é a primeira “agência de letramento”, portanto, a escola não é a única, mas que é com a família, na leitura de uma história, que a criança é inserida na cultura letrada, no momento que em que é aberto espaço para que ela se expresse, reconte e “leia” para os adultos, ainda que não seja alfabetizada, e que por meio desse desenvolvimento da oralidade que a criança entra em um processo de letramento. Kleiman, salienta que
é no “fazer-de-conta que lê” e no “fazer-de-conta que escreve” – eles próprios práticas interacionais orais – que o objeto e as práticas escritas são recortadas e ganham (ou não) sentidos para a criança(s). Estes jogos se dão em diferentes instituições sociais ( família, pré-escola, escola, etc.), que consignam ao sujeito diferentes papeis e possibilidades: o daquele que pode ler e escrever ou fazer de conta que lê e escreve e o daquele que não pode porque não o sabe. É na presença/ausência do brincar de ler para a criança (jogos de contar), no brincar de ler com a criança, no brincar de desenhar e escrever (jogos de faz-de-conta) que se reencontra o sentido social da escrita daquela subcultura letrada. (KLEIMAN, 1995p. 71)
O professor alfabetizador pode refletir sobre a contribuição de atividades baseadas no letramento, proporcionando momentos de brincar na escola, na sala, brincando de ler, brincando com jogos, observando aspectos que colaboram para o desenvolvimento da oralidade, da leitura e da escrita, ajudando assim, na formação de um sujeito crítico e que possa encontrar espaço para a reflexão sobre a escrita. São reflexões como estas que colaboram para que o professor trace um paralelo entre práticas de alfabetização e de
letramento, diferentemente de práticas de memorização e repetição, estabelecidas até então como práticas escolares.
Metodologia
Essa pesquisa foi desenvolvida por meio de atividades de alfabetização e letramento, em uma turma de 2°ano. A escolha dessa turma se deu por se tratar de alunos que fazem parte de um contexto em que a principal responsável por inseri-los na cultura letrada e colocá-los em contato com a leitura e os livros é a escola. Proporcionar momentos de leitura e vivenciar práticas contextualizadas e que fizessem sentido aos alunos foi o motivador para mediar esse processo.
As referidas atividades de alfabetização e letramento foram realizadas após testagem com os alunos, a fim de observar em que nível de escrita se encontravam no início e após, ao final da pesquisa, foi comparado com nova testagem. Durante o desenvolvimento da pesquisa foram aplicadas atividades que partiam de uma situação de leitura ou de fatos e objetos que estavam relacionados com a realidade dos alunos.
Em relação às atividades, (I) confeccionamos um novo alfabeto para a turma a partir da leitura do livro “O batalhão das letras”, de Mario Quintana; (II) leitura e interpretação, escrita e identificação de palavras e desenhos a partir da leitura do livro “O Caracol viajante”, de Sônia Junqueira; (III) Hora do Conto com desenho e pintura com tinta guache e registro dos nomes dos animais que aparecem na história - “Quer brincar de pique-esconde?” de Isabella e Angiolina; (IV) organização da história na sequência dos fatos, fazendo o registro dos nomes dos personagens da história “Lino” de André Neves; (V) releitura do livro “Era uma vez um gato xadrez” de Bia Villela, trabalho realizado em grupos e depois a montagem final do livro foi a organização do trabalho de todos; (VI) produção de texto coletivo a partir dos objetos que os alunos trouxeram de casa; (VII) produção textual com tema a partir da leitura do livro “Choro e choradeira, risos e risadas” de Tatiana Belinky e atividades com rótulos de produtos variados.
Após as questões trabalhadas e abordadas durante as aulas, os dados expectados foram analisados com base nas teorias que tratam das questões de alfabetização e letramento. As atividades analisadas serão: - confecção um novo alfabeto para a turma a partir da leitura do livro “O batalhão das letras”, de Mario Quintana; leitura e interpretação, escrita e identificação de palavras e desenhos a partir da leitura do livro “O Caracol viajante”, de Sônia Junqueira; produção de texto coletivo a partir dos objetos que os alunos trouxeram de casa.
Foi construída uma tabela de atividades que foram aplicadas e registradas conforme a referência teórica.
Durante o processo de realização de nossa proposta de pesquisa com intervenção, alguns dados nos permitiram a análise que se segue.
Alguns caminhos
Quando se aplicou a atividade de confecção de um novo alfabeto para sala, a partir da leitura da história “O batalhão das letras”, de Mario Quintana, percebemos que a leitura de histórias consiste num grande momento. Durante a leitura os alunos falavam sobre o que viria depois, na página seguinte, falando sobre a próxima letra, tentando adivinhar sobre o que o autor falaria, que desenho teria e falando sobre as rimas a leitura desse livro constituiu-se num momento de prazer e ludicidade, brincavam e se divertiam com a leitura. Consideramos segundo nossas leituras teóricas e saberes, oriundos da prática efetivada, que esse momento pode ser considerado o mais importante da aula, pois assim todos puderam além de soltar a imaginação, familiarizar-se com a norma culta da língua, trazendo elementos para as crianças refletirem e construírem sua escrita. Nesse sentido, Carvalho afirma que
ouvir histórias é uma experiência agradável e proveitosa, sob diversos pontos de vista. Mesmo que, eventualmente, alguma palavra ou frase não seja compreendida pela criança, o importante é que ela seja capaz de seguir o fio da história, que a leitura lhe de prazer, que a faça pensar, faça sonhar. Esta é a maior riqueza da literatura infantil (CARVALHO, 2005, p. 88).
Atividades que envolvem o uso da literatura contribuem para a reflexão, fornecem elementos para que o aluno pense, não apenas sobre a escrita, como principal objetivo do professor alfabetizador, mas também para a construção do pensamento crítico. Para Carvalho (2005 p. 88), a leitura de uma história possibilita mais do que apenas conhecer a língua, mas também auxilia no desenvolvimento da fantasia, da imaginação, a experiência direta com o mundo.
Durante essa atividade as crianças se sentiram entusiasmadas e interessadas pela história e já iam tentando adivinhar o que fariam depois. Conforme a professora contava a história, eles diziam: “agora é o B, agora o C, eu sei o que vem agora”, achando muita graça dos desenhos e das rimas e pedindo para contar a história para os colegas depois da professora. Assim que começaram a elaborar o alfabeto para fixar na parede da sala, começaram os questionamentos sobre a escrita. Eles perguntavam: “No A posso desenhar um avião, começa com A, né professora? Como escreve avião? Como faz o ão?” E em cada letra
havia questionamentos, na escrita da palavra ilha, escreveram ila. De minha parte, eu lia para eles a palavra que escreviam, perguntando se estava faltando alguma letra, eles acham que sim e perguntavam: “Como faz lha?” Nesse momento ajudo, como professora, fazendo pergunta para eles, sobre a letra inicial, o som da letra, que sílaba escreveram, que sílaba falta, até que concluíam seus trabalhos. Em relação ao trabalho realizado por eles, um momento de produção do seu material, de construção de uma aprendizagem significativa Jolibert e Sraïki ressaltam que
a eficácia e a profundidade das aprendizagens dependem do poder que os aprendizes detêm sobre suas próprias atividades: o que estas significam para eles; que representações têm das tarefas que devem realizar para atingir um objetivo; como gerem o tempo, os espaços, os recursos [...] Ele mobiliza toda sua mente e toda sua energia para atingir, com a ajuda dos demais, os objetivos de progresso que determinou para si. (JOLIBERT, SRAÏKI 2008 p16)
Após o alfabeto ser exposto, observamos que o mesmo passou a ser objeto de consulta para eles, num primeiro momento, eles olhavam os desenhos, os tipos de letras, depois observamos que eles estavam consultando a escrita do nome da figura.
Essa atividade contribuiu para a construção de um ambiente alfabetizador. Com essa proposta, a partir de um alfabeto produzido pelos alunos, a sala tomou formas dadas por eles, o ambiente se moldou a partir das experiências construídas pelos alunos. Nesse sentido, Nörnberg e Pacheco afirmam que
a sala de aula precisa ser pensada como espaço físico que acolhe; espaço disposto para o trabalho; ambiente no qual é possível localizar-se e locomover-se, com segurança, na direção da aprendizagem. [...] espaço que cultiva a responsabilidade de gerar, de criar, de fazer algo para que as crianças possam reconhecer a sala de aula com um lugar próprio, ao mesmo tempo pessoal e coletivo de aprendizagem. (NÖRBERG e PACHECO, apud DALLA ZEN 2010 p. 69)
Quando observamos os alunos consultando materiais que eles produziram, percebemos a importância de proporcionar essas atividades, pois eles podiam procurar as respostas para tirar suas dúvidas, já que eles conheciam o caminho.
Na atividade sobre a leitura “O caracol viajante”, de Sônia Junqueira, escrevemos o texto no papel pardo para fixar na sala, pensando em explorar bastante o material, a escrita, a interpretação, a estrutura do texto (título e nome do autor). Com o texto na parede fazíamos perguntas para que respondessem oralmente: Qual o nome do texto? Qual o nome da autora? Quem é Rodolfo? Sobre o que o texto fala? Por que Rodolfo vive sempre satisfeito? Como ele anda? Precisávamos organizar o grupo de alunos, porque todos queriam responder juntos, um primeiro que o outro.
Em relação aos questionamentos sobre o trabalho com textos na alfabetização, principalmente quando nem todos os alunos estão alfabetizados, ou seja, como poderão ler algo se ainda não conhecem o sistema escrito. Recorre-se a Carvalho (2005, p.49) “é fundamental no período de alfabetização trabalhar de forma que os alunos possam compreender o sentido do material escrito, nesse sentido o texto traz elementos que contribuem tanto para o reconhecimento das letras e dos sons e a compreensão do que se está lendo contribuindo assim para a alfabetização e o letramento”.
O material produzido pelos alunos ficou fixado na parede da sala, a fim de contribuir para a promoção de um ambiente alfabetizador e também para servir como um elemento a mais de consulta para os alunos. Após fizeram a identificação das palavras a partir dos desenhos. Outra ação foi desenhar no quadro um caracol e pedir que identificassem onde estava escrito a palavra no texto, fizemos a mesma coisa com as palavras: casa, barriga e cabeça. Ao final, grifamos no cartaz as palavras: pressa, sempre e aluguel, chamando a atenção para a forma da escrita e o som de pr e gu. Essa atividade foi bastante significativa para eles, já que a grande maioria conseguiu encontrar a palavra e puderam reescrevê-la.
Essas atividades contribuem para a formação do sujeito escritor com competência, diferentemente das atividades mecânicas e repetitivas, cuja escrita visa trabalhar algumas letras. Atividades significativas, ou seja, atividades contextualizadas, elaboradas a partir do interesse das crianças, que dão oportunidade de participação, introduzem o aluno no mundo da escrita, servem como modelos para que a criança possa produzir. Carvalho afirma que
para compreender e saber produzir textos, as pessoas possuem uma competência linguística denominada competência textual. Mesmo as crianças pequenas possuem essa capacidade, que podem ser melhoradas por meio de exercícios e atividades orais e escritas. (CARVALHO, 2005 p. 50)
Assim compreendemos que as atividades pouco significativas, como uma sequência de frases ou palavras, cujo único objetivo é memorizar, que não demonstram relação nem com a realidade do aluno e tampouco com a ludicidade, dificilmente serão produtores de motivação e curiosidade nas crianças.
Um momento importante de reflexão para os alunos, sobre a escrita, a leitura e a produção de texto e também sobre o trabalho da professora aconteceu na produção do texto coletivo. A atividade iniciou um dia antes, quando foi solicitado que cada um fizesse seu bilhete para entregar aos responsáveis. Foi entregue apenas uma folha em branco, cortada no tamanho que pudessem escrever seu bilhete. Começamos dizendo: “hoje vocês vão escrever seus bilhetes para levar para casa”.
No bilhete pedimos que escrevessem que no dia seguinte todos deveriam trazer um objeto de que gostassem muito, que fosse importante para eles, para que pudéssemos contar a história do seu objeto à turma. No dia seguinte todos chegaram a sala com seus pertences, felizes e orgulhosos. Muitos estavam ansiosos para contar suas histórias aos colegas. Iniciamos possibilitando que todos, um a um, falassem e mostrassem seu objeto, tinham brinquedos, bichinhos de pelúcia (seus companheiros na hora de dormir), produtos de beleza, perfumes, porta-joias. Após a história, pedimos que desenhassem o objeto trazido e assim o fizeram, no momento seguinte expus seus trabalhos e os convidamos para escrever uma história em que todos esses objetos se encontrariam. Uma aluna disse: “Isso vai ser muito legal”.
O texto foi intitulado, por eles, “A família Max Steel”. Começaram dizendo que Max Steel encontrou uma menina e se apaixonou, então eles davam opiniões como, por exemplo: “escreve aí professora que eles foram na pracinha, já sei, diz que eles tiveram uma filhinha, escreve do meu brinquedo, da minha cartinha”.
Todos estavam muito ansiosos para falar, queriam expor suas ideias, pediam: “Deixa eu, deixa eu...”’. A professora como mediadora, ia organizando suas falas na forma de texto observando os parágrafos, explicava a necessidade de colocar as vírgulas e pontos e lia para eles ignorando a pontuação para que compreendessem o seu uso. Ao final, quando já havia mencionado todos objetos, fixamos o texto na parede da sala e organizamos as crianças em fila dizendo que eles eram os autores daquele texto. Percebemos como foi importante esse momento, cada um esperando sua vez para colocar seu nome. Os alunos puderam vivenciar uma situação real de escrita e leitura, sendo produtores de aprendizagens significativas, nesse momento recorro às palavras de Jolibert e Sraïki:
as crianças aprendem a fazer fazendo (e não se preparando para fazer mais tarde) e encontrando na vida situações-problema que as estimulem e as obriguem a avançar em suas aprendizagens para “superar o obstáculo”. Elas aprendem dialogando, interagindo e se confrontando com os outros. As crianças constroem suas aprendizagens quando o que fazem, ou que lhes é proposto, faz sentido para elas. (JOLIBERT, SRAÏKI 2008 p16)
Práticas de alfabetização e letramento acontecem conforme buscou-se trabalhar em sala de aula, ou seja, em situações reais de escrita, e contato com produções dos alunos, para que eles pudessem se sentir autores. De forma não aprofundada nos limitamos, às vezes, a ideia de que o letramento tem como base o trabalho com rótulos e placas, nos textos escritos nas ruas, que informam e orientam. O letramento está para, além disso, pois também tem
como função a produção, colocar o sujeito na situação de autor, refletindo e interferindo sobre o material que lê e escreve.
Considerações finais
A partir dos dados obtidos foi possível observar que atividades elaboradas de acordo com as vivências dos alunos, propostas e pensadas a partir de suas produções podem levá-los a se sentirem produtores de sua aprendizagem. É nesse momento que o professor desloca o foco para a aprendizagem do aluno, fazendo-o conseguir se expressar por meio de suas próprias ações. Escrever sobre suas coisas, sobre o que criou e ler coisas de seu interesse, de seu mundo.
Atividades que colocaram o aluno como ponto de partida foram mais motivadoras, tão capazes de colocá-los no mundo escrito quantos outros métodos são capazes, com a vantagem de inseri-los na cultura letrada. Ou seja, a partir de atividades contextualizadas, os alunos formam-se leitores, sabendo o sentido da escrita, lendo, usando enfim o material escrito, identificando que ali tem uma mensagem. Produziam textos, ainda que por meio de um escriba, usavam o livro, formando-se enquanto leitores constroem sua ação alfabetizadora.
A criança leitora assim se constrói, por meio de personagens e histórias conhecidas e tantas outras que lhes são ora apresentadas, ora descobertas. Que outro caminho pode levar alguém a se fazer um leitor se não lendo? É nesse ponto que fica evidente a necessidade de romper com práticas de memorização, se queremos colaborar para a construção do sujeito leitor.
Essas atividades que denomino contextualizadas, motivadoras, significativas, tiveram papel importante, na medida em que se configuram nessa trajetória, como elemento reflexivo para ação pedagógica em relação a aprendizagem, porque foi possível observar entusiasmo para aprender, vontade de saber e participar, o que se chama de ser autor. Isso fica claro quando menciona-se que os alunos solicitam a vez de falar, pedindo para dar sua opinião, desejando ter sua fala transcrita pela mão do professor, porque isso é sua produção, é sua autoria.
1 Graduanda do curso de Pedagogia/ CNEC - Osório/RS –
² Professora orientadora/CNEC – Osório/RS – FACOS
Referências
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_____________ A reinvenção da alfabetização. Disponível em: http://www.aulasecia.com/anexos/158/1994/Reinvencao%20da%20alfabet.pdf Acesso em: 20 nov 2013.