domingo, 23 de março de 2014

Artigo Alfabetização e letramento

Alfabetização e letramento: uma via, vários sentidos
RoseniLessa Lopes1
Liége Westermann²
Resumo: Esse artigo foi produzido a partir do projeto sobre alfabetização e letramento, realizado numa escola municipal de Tramandaí no Litoral Norte do RS. Os trabalhos dessa pesquisa ação foram desenvolvidos numa turma de 2° ano, com crianças de 7 a 9 anos e refere-se à realização de atividades de alfabetização e letramento. As atividades foram elaboradas de maneira que pudessem contribuir no processo de alfabetização envolvendo os alunos em situações reais de escrita. Objetivou-se desenvolver práticas cotidianas a fim de compreender como se pode alfabetizar envolvendo a leitura a escrita de forma contextualizada. As atividades propostas foram pensadas de forma que caracterizassem práticas cotidianas de letramento. Foi possível observar grande envolvimento dos alunos e interesse nas atividades de leitura e escrita que tinham com ponto de partida temas de suas vivências.

Palavras-chave: Alfabetização. Letramento. Alfabetização Contextualizada.

Introdução
Os conceitos de letramento têm sido difundidos nas escolas devido a sua importância no contexto social, pensando na alfabetização e letramento como instrumento que leva a formação de bons leitores e posteriormente bons escritores é um caminho que leva ao rompimento de práticas centradas nos mecanismos de decodificação.
A grande discussão existente hoje em torno da alfabetização em relação aos métodos ou a ação mecânica tem levado professores e estudantes a refletirem sobre essa temática, de modo a elaborarem práticas de alfabetização que contemple situações reais de leitura e escrita. Essa discussão que gira em torno das dificuldades dos alunos em compreender o que leem e de se formar enquanto escritores vêm colaborando para que profissionais da área tenham cada vez mais um olhar reflexivo sobre as práticas desenvolvidas nas turmas de alfabetização.
Colocar o aluno em contato com livros e trabalhar a partir de atividades significativas e contextualizadas foram preocupações constantes, com o objetivo de proporcionar ao aluno materiais e momentos de reflexão sobre a construção da leitura e da escrita. Quando o professor age dessa forma, o aluno atribui significado ao ato de aprender.
Pensar a alfabetização com base nas atividades significativas é um compromisso importante para uma alfabetizadora. Assim torna-se urgente colocar os alunos em contato com práticas de alfabetização e letramento, já que atividades de alfabetização mecânicas não favorecem a produção de um leitor e escritor competente.
Portanto, é preciso que os professores reflitam constantemente sobre suas práticas, a fim de colaborarem para uma aprendizagem mais significativa aos alunos, ajudando a produzir leitores efetivos e inseridos no mundo letrado do qual fazem parte.
O conceito de alfabetização e letramento se complementam, por isso, é preciso pensar no processo de construção de leitura e escrita pela ideia de alfabetizar letrando. Percebendo a necessidade de romper com práticas e metodologias tradicionais, que trabalham sobre a ótica de uma alfabetização mecânica, se faz necessário levar para sala de aula propostas de práticas sociais que utilizam a leitura e a escrita.
A preocupação constante durante o desenvolvimento dessa pesquisa foi como alfabetizar envolvendo a leitura e a escrita de forma contextualizada por meio de práticas cotidianas. Assim foi necessário planejar atividades que caracterizem práticas cotidianas de letramento para uma turma de 2° ano, aplicar e desenvolver atividades de alfabetização envolvendo habilidades de leitura e escrita contextualizadas para que ao final fosse possível analisar as práticas desenvolvidas com aporte de teóricos atuais a fim de perceber a validade das mesmas.
Alfabetizar e letrar, conceitos que se completam
A necessidade de trabalhar com práticas contextualizadas na alfabetização vai além do trabalho pensado somente na realidade do aluno, seguindo reflexões sobre o que se aprende. Assim, o professor pode pensar sua prática alfabetizadora na visão do letramento, que é mais do que simplesmente alfabetizar, o que Piccoli e Camini (2012) denominaram de “alfabetismo em uso”. Para alguns teóricos desta área, para além do ato de ensinar a ler e escrever, codificar e decodificar o sistema de escrita é, sobretudo, refletir sobre eles, saber suas funções. (SOARES, 2010)
Segundo Soares “letramento é o resultado da ação de ensinar ou de aprender a ler e escrever: o estado ou a condição que adquire um grupo social ou um indivíduo como consequência de ter-se apropriado da escrita”. (2010 p. 18) Isto não significa de modo algum dizer que basta uma pessoa conhecer as letras, os sons e identificá-las, mas que é preciso saber a função da escrita. Para Kleiman (1995 p. 18), “o letramento significa uma prática discursiva de determinado grupo social”, mas que nem sempre está relacionado com
atividades de ler e escrever, mas com a compreensão de que se tem sobre práticas letradas no cotidiano antes mesmo de ser alfabetizado.
O aprendizado da leitura e escrita deve acontecer em situações reais, como ressaltam Piccoli e Camini (2012 p. 17) ao dizer que o “alfabetismo em uso nada mais é que os significados que a leitura e a escrita adquirem na cultura”. Para isso é necessário que sejam proporcionados momentos de reflexão e interferência. Nesse sentido, Jolibert e Sraïki afirmam que
não se trata primeiro de reconhecer letras, sinais, sílabas ou palavras, e só então pequenos textos. É inserir tudo o que identificamos como índices, seja qual for seu nível, inclusive sílabas, numa construção tenaz do sentido do texto em seu conjunto. (JOLIBERT; SRAÏKI 2008, p. 17)
Por esse viés acontece a prática de letramento ler lendo; escrever escrevendo. Levar as crianças ao entendimento da função do texto, fazendo questionamentos, localizando informações implícitas, levando-os a uma compreensão total da leitura, desprendendo-se de textos que enfatizam determinada sílaba porque a professora está trabalhando no momento. A dificuldade encontrada pelos alunos de compreender o que leem e de sua habilidade escritora, mesmos após os anos de alfabetização, nos faz repensar sobre a forma como trabalhamos com textos, mesmo antes das crianças estarem alfabetizados. As autoras e pesquisadoras, Jolibert e Sraïki salientam que
é necessário desde o início (quer dizer, desde a educação infantil), tanto para ler quanto para produzir, as crianças se encontrem diante de textos integrais autênticos e múltiplos – não de textos escolares – funcionando em situações reais de expressão e de comunicação. (JOLIBERT; SRAÏKI 2008, p. 17)
Um indivíduo pode não saber ler e escrever, mas pode ser letrado porque compreende a função social da escrita, tem interesse em notícias, sabe utilizar corretamente um ônibus, fazer compras porque conhece os rótulos das mercadorias de que precisa. Nesse sentido, Soares afirma que
um adulto pode ser analfabeto, porque marginalizado social e economicamente, mas se vive em um meio que a leitura e a escrita têm presença forte, se se interessa em ouvir a leitura de jornais feita por um alfabetizado, se recebe cartas que outros leem para ele, se dita cartas para que um alfabetizado a escreva [...], se pede que lhe leia avisos ou indicações afixados em algum lugar, esse analfabeto é de certa forma letrado, porque faz uso da escrita, envolve-se em práticas sociais de leitura e de escrita. (SOARES, 2010, p. 24).
Atualmente temos nos deparado com muitos alunos nos anos finais do ensino escolar que não sabem ler e escrever corretamente e apresentam dificuldades em realizar uma compreensão global do material lido. Esses indivíduos, embora tenham se apropriado do
sistema escrito, podem não ter sido expostos às práticas letradas, lendo e escrevendo de forma significativa, ou seja, o aprendizado na alfabetização pode ter ocorrido de forma mecânica, contribuindo para o aparecimento de algumas sequelas nos seus modos de escrever. A escritora Kleiman afirma
podemos definir hoje o letramento com um conjunto de práticas sociais que usam a escrita, enquanto sistema simbólico e enquanto tecnologia, em contextos específicos, para objetivos específicos. As práticas específicas das escolas, que forneciam o parâmetro de prática social segundo a qual o letramento era definido, e segundo a qual os sujeitos eram classificados ao longo da dicotomia alfabetizado ou não alfabetizado, passam a ser, em função dessa definição, apenas um tipo de prática – de fato – dominante que desenvolve alguns tipos de habilidades mas não outros, que determina uma forma de utilizar o conhecimento sobre a escrita. (KLEIMAN, 1995 p 19)
O letramento é também uma tomada de postura, que está relacionada com as práticas do alfabetizador, com seus objetivos, sua tomada política, sua criticidade e de como tenta possibilitar que tais práticas produzam efeitos transformadores nos alunos.
Para melhor compreender o processo em que estão inseridos os conceitos de alfabetização e letramento, é interessante conceituar outros elementos como alfabetizado e analfabetismo.
O minidicionário Aurélio da Língua Portuguesa (2008) define analfabetismo como o “estado ou condição de analfabeto”, e analfabeto é o “que não sabe ler e escrever”. Para o dicionário, alfabetizar é “ensinar a ler” e alfabetização e alfabetizado é “aquele que sabe ler”. Já letrado é aquele “versado em letras, erudito” e iletrado é “aquele que não tem conhecimentos literários”. Segundo o mesmo dicionário letramento significa “estado ou condição de indivíduo ou grupo capaz de utilizar-se da leitura e da escrita, ou de exercê-las como instrumentos de sua realização e seu desenvolvimento social e cultural”.
Mas esses conceitos estão aqui minimizados, simplificados, dando visibilidade somente ao sentido da língua, mas a visão que podemos ter desse assunto é mais ampla. Nesse sentido Soares afirma que
analfabeto é aquele que não pode exercer em toda sua plenitude os seus direitos de cidadão, é aquele que a sociedade marginaliza, é aquele que não tem acesso aos bens culturais de sociedades letradas e, mais que isso, grafocêntricas; porque conhecemos bem, e há muito, esse “estado de analfabeto”, sempre nos foi necessária uma palavra para designá-lo, a conhecida e corrente analfabetismo. (SOARES, 2010, p. 20).
Podemos perceber que o conceito dado pela autora tem maior abrangência, considerando as questões sociais do sujeito, porque percebe o indivíduo e seus diretos, sua condição de excluído e sua posição na sociedade.
Ainda sobre o conceito de analfabeto (Soares, 2010, p 30) diz que, “analfabeto é aquele que é privado do alfabeto, a que falta o alfabeto, ou seja, aquele que não conhece o alfabeto, que não sabe ler e escrever”.
A questão não esta em diferenciar alfabetização e letramento através de seus conceitos, mas de aproximar as contribuições de cada um de forma que o professor possa perceber que a necessidade consiste em alfabetizar letrando, que essa é uma necessidade urgente de ser abordada nas salas de aula, alfabetizar letrando, ou seja, alfabetizar no contexto das práticas sociais, de forma contextualizada, colocando os alunos em situações reais de leitura e escrita. Nesse sentido Piccoli e Camini ressaltam que
[...] para o letramento, a imersão das crianças na cultura escrita, a participação em experiências variadas com a leitura e escrita, o conhecimento e a interação com os diferentes tipos de gêneros de material escrito; para a alfabetização, a consciência fonológica, a identificação das relações fonema-grafema, as habilidades de codificação e decodificação da língua escrita, o conhecimento e o reconhecimento dos processos de tradução da foram sonora da fala para a forma gráfica da escrita. Das relações entre essas facetas, com origens em processos diferentes, emerge então a ideia de alfabetizar em um contexto de letramento, ou de “alfabetizar letrando”, como vem circulando amplamente. (PICCOLI; CAMINI, 2012, p. 20)
É nesse sentido que se faz necessário ter outros olhares para a prática alfabetizadora, considerando o contexto em que estão inseridos os envolvidos nessa ação, de forma que se possa atribuir significado a essa prática, compreendendo o uso da escrita e também percebendo o ensino da escrita como o ensino de uma técnica, não de forma a diferenciá-los, mas compreendendo que alfabetização e letramento são processos que se complementam e que se configuram num caminho para o professor. Assim Piccoli e Camini afirmam que
diferenciar conceitualmente alfabetização de letramento é uma opção e que ambos os processos poderiam ficar sob denominação única, desde que tanto a estrutura do sistema alfabético fossem ensinados e aprendidos na escola ao longo da escolarização [...] Não há uma resposta que seja mais verdadeira do que a outra, um conceito que seja mais correto e adequado do que o outro; são formas que precisam ser conhecidas para que possamos utilizá-las quando nos forem úteis, fazendo escolha intencionais, ciente das implicações que delas decorrem. Para isso, é necessário entender como esses conceitos entram em ação em sala de aula, a partir de métodos produtivos para ensinar a ler e a escrever. (PICCOLI; CAMINI, 2012, p. 26)
A escritora e pesquisadora Magda Soares afirma que a alfabetização e o letramento constituem uma via de acesso ao mundo da escrita, sendo que o conceito de alfabetização vai além de codificar e decodificar o sistema escrito e não se esgota na aprendizagem da leitura e escrita, sendo um processo permanente, “seria um processo de representação de fonemas em grafemas (escrever) e de grafemas em fonemas (ler)”. (2005 p. 16) Contudo essa é uma forma simplista de conceituar o termo, com afirma a própria autora, quando diz que
[...] a alfabetização é um processo de representação de fonemas em grafemas, e vice-versa, mas é também um processo de compreensão/expressão de significados por meio do código escrito. Não se consideraria alfabetizada uma pessoa que fosse apenas capaz de decodificar símbolos visuais em símbolos sonoros, “lendo”, por exemplo, sílabas ou palavras isoladas, como também não se consideraria “alfabetizada” uma pessoa incapaz de, por exemplo, usar adequadamente o sistema ortográfico de sua língua, ao expressar-se por escrito. (SOARES, 2005, p. 16).
A mesma autora chama atenção para outro aspecto, além desses mencionados em relação à codificação e decodificação do sistema escrito e para a compreensão do que se lê e de como se expressa por escrito, que é o aspecto social. Nesse sentido há que considerar o significado de ser alfabetizado em diferentes grupos sociais, considerando as questões culturais, econômicas e tecnológicas.
Soares (2003) diz que “a alfabetização é algo que deveria ser ensinado de forma sistemática, ela não de ficar diluída no processo de letramento”. Que esse processo não pode ser esquecido, desprezado, o que a autora chama de “desinventar” a alfabetização, fazendo relação aos métodos de alfabetização, que foram ano após ano, substituídos um pelo outro. Diz ainda que a falta de um método contribuiu para a precariedade do domínio da leitura e da escrita pelos alunos e que se para alcançar os objetivos o professor precisa partir de um caminho, um método. Acreditou-se que apenas colocar os alunos em contato com o material escrito, fazendo uma interpretação equivocada do construtivismo, seria suficiente para que as crianças se alfabetizassem. Dessa forma Piccoli e Camini ressaltam que
ao contrapor o paradigma conceitual psicogenético aos métodos de alfabetização, produziu-se como verdade que todos os métodos seriam “tradicionais” e, portanto, mecânicos, obsoletos, características das quais as professoras quiseram se afastar, já que “o convívio intenso com material escrito circulante nas práticas sociais” seria suficiente para a criança se alfabetizar, sendo dispensável e, inclusive, equivocada a utilização de métodos. (PICCOLI; CAMINI, 2012, p. 19)
Essas práticas acabaram por levar a uma precariedade no ensino da leitura e escrita, o que levou a alfabetização a ser tema de debates e estudos por parte dos professores e das secretarias de educação. Em parte essa preocupação se dá pela grande quantidade de alunos que chega ao 3° ano sem saber ler, alunos que avançam na escolaridade com grandes dificuldades na escrita e leitura e de compreensão do que estão lendo.
Esses debates têm levantado questões referentes, essencialmente a ação pedagógica, ou seja, a forma como são encaminhadas as ações para se alfabetizar letrando e como os professores se movimentam para, partindo dessa proposta, transformar essa ação numa
aprendizagem contextualizada, contribuindo para que esse momento seja de criação do aluno, que lhes seja proporcionado o papel de autor, que se sintam parte do ato de aprender. Para isso, considera-se necessário trazer o mundo do aluno para dentro da sala, colocando suas vivências como temática central daquilo que se vai aprender. Nesse sentido, Kleiman afirma que
o fenômeno do letramento, então, extrapola o mundo da escrita tal qual ele é concebido pelas instituições que se encarregam de introduzir formalmente os sujeitos no mundo da escrita. Pode-se afirmar que a escola, a mais importante das agências do letramento, preocupa-se, não com o letramento, prática social, mas com apenas com um tipo de prática de letramento, a alfabetização, o processo de aquisição dos códigos (alfabético, numérico), processo geralmente concebido em termos de uma competência individual necessária para o sucesso e promoção na escola. (KLEIMAN, 1995 p 20)
É necessário, além de dar protagonismo aos alunos, compreender e utilizar suas experiências anteriores, como ressalta a escritora e pesquisadora Kleiman (1995) com os conhecimentos trazidos dos meios que estão inseridos e se constituem enquanto agências de letramento, que são culturas e conhecimentos obtidos nas comunidades em que vivem.
Para Kleiman (1995), há que se ter um cuidado para não separar oralidade e escrita. A autora afirma que a família é a primeira “agência de letramento”, portanto, a escola não é a única, mas que é com a família, na leitura de uma história, que a criança é inserida na cultura letrada, no momento que em que é aberto espaço para que ela se expresse, reconte e “leia” para os adultos, ainda que não seja alfabetizada, e que por meio desse desenvolvimento da oralidade que a criança entra em um processo de letramento. Kleiman, salienta que
é no “fazer-de-conta que lê” e no “fazer-de-conta que escreve” – eles próprios práticas interacionais orais – que o objeto e as práticas escritas são recortadas e ganham (ou não) sentidos para a criança(s). Estes jogos se dão em diferentes instituições sociais ( família, pré-escola, escola, etc.), que consignam ao sujeito diferentes papeis e possibilidades: o daquele que pode ler e escrever ou fazer de conta que lê e escreve e o daquele que não pode porque não o sabe. É na presença/ausência do brincar de ler para a criança (jogos de contar), no brincar de ler com a criança, no brincar de desenhar e escrever (jogos de faz-de-conta) que se reencontra o sentido social da escrita daquela subcultura letrada. (KLEIMAN, 1995p. 71)
O professor alfabetizador pode refletir sobre a contribuição de atividades baseadas no letramento, proporcionando momentos de brincar na escola, na sala, brincando de ler, brincando com jogos, observando aspectos que colaboram para o desenvolvimento da oralidade, da leitura e da escrita, ajudando assim, na formação de um sujeito crítico e que possa encontrar espaço para a reflexão sobre a escrita. São reflexões como estas que colaboram para que o professor trace um paralelo entre práticas de alfabetização e de
letramento, diferentemente de práticas de memorização e repetição, estabelecidas até então como práticas escolares.
Metodologia
Essa pesquisa foi desenvolvida por meio de atividades de alfabetização e letramento, em uma turma de 2°ano. A escolha dessa turma se deu por se tratar de alunos que fazem parte de um contexto em que a principal responsável por inseri-los na cultura letrada e colocá-los em contato com a leitura e os livros é a escola. Proporcionar momentos de leitura e vivenciar práticas contextualizadas e que fizessem sentido aos alunos foi o motivador para mediar esse processo.
As referidas atividades de alfabetização e letramento foram realizadas após testagem com os alunos, a fim de observar em que nível de escrita se encontravam no início e após, ao final da pesquisa, foi comparado com nova testagem. Durante o desenvolvimento da pesquisa foram aplicadas atividades que partiam de uma situação de leitura ou de fatos e objetos que estavam relacionados com a realidade dos alunos.
Em relação às atividades, (I) confeccionamos um novo alfabeto para a turma a partir da leitura do livro “O batalhão das letras”, de Mario Quintana; (II) leitura e interpretação, escrita e identificação de palavras e desenhos a partir da leitura do livro “O Caracol viajante”, de Sônia Junqueira; (III) Hora do Conto com desenho e pintura com tinta guache e registro dos nomes dos animais que aparecem na história - “Quer brincar de pique-esconde?” de Isabella e Angiolina; (IV) organização da história na sequência dos fatos, fazendo o registro dos nomes dos personagens da história “Lino” de André Neves; (V) releitura do livro “Era uma vez um gato xadrez” de Bia Villela, trabalho realizado em grupos e depois a montagem final do livro foi a organização do trabalho de todos; (VI) produção de texto coletivo a partir dos objetos que os alunos trouxeram de casa; (VII) produção textual com tema a partir da leitura do livro “Choro e choradeira, risos e risadas” de Tatiana Belinky e atividades com rótulos de produtos variados.
Após as questões trabalhadas e abordadas durante as aulas, os dados expectados foram analisados com base nas teorias que tratam das questões de alfabetização e letramento. As atividades analisadas serão: - confecção um novo alfabeto para a turma a partir da leitura do livro “O batalhão das letras”, de Mario Quintana; leitura e interpretação, escrita e identificação de palavras e desenhos a partir da leitura do livro “O Caracol viajante”, de Sônia Junqueira; produção de texto coletivo a partir dos objetos que os alunos trouxeram de casa.
Foi construída uma tabela de atividades que foram aplicadas e registradas conforme a referência teórica.
Durante o processo de realização de nossa proposta de pesquisa com intervenção, alguns dados nos permitiram a análise que se segue.
Alguns caminhos
Quando se aplicou a atividade de confecção de um novo alfabeto para sala, a partir da leitura da história “O batalhão das letras”, de Mario Quintana, percebemos que a leitura de histórias consiste num grande momento. Durante a leitura os alunos falavam sobre o que viria depois, na página seguinte, falando sobre a próxima letra, tentando adivinhar sobre o que o autor falaria, que desenho teria e falando sobre as rimas a leitura desse livro constituiu-se num momento de prazer e ludicidade, brincavam e se divertiam com a leitura. Consideramos segundo nossas leituras teóricas e saberes, oriundos da prática efetivada, que esse momento pode ser considerado o mais importante da aula, pois assim todos puderam além de soltar a imaginação, familiarizar-se com a norma culta da língua, trazendo elementos para as crianças refletirem e construírem sua escrita. Nesse sentido, Carvalho afirma que
ouvir histórias é uma experiência agradável e proveitosa, sob diversos pontos de vista. Mesmo que, eventualmente, alguma palavra ou frase não seja compreendida pela criança, o importante é que ela seja capaz de seguir o fio da história, que a leitura lhe de prazer, que a faça pensar, faça sonhar. Esta é a maior riqueza da literatura infantil (CARVALHO, 2005, p. 88).
Atividades que envolvem o uso da literatura contribuem para a reflexão, fornecem elementos para que o aluno pense, não apenas sobre a escrita, como principal objetivo do professor alfabetizador, mas também para a construção do pensamento crítico. Para Carvalho (2005 p. 88), a leitura de uma história possibilita mais do que apenas conhecer a língua, mas também auxilia no desenvolvimento da fantasia, da imaginação, a experiência direta com o mundo.
Durante essa atividade as crianças se sentiram entusiasmadas e interessadas pela história e já iam tentando adivinhar o que fariam depois. Conforme a professora contava a história, eles diziam: “agora é o B, agora o C, eu sei o que vem agora”, achando muita graça dos desenhos e das rimas e pedindo para contar a história para os colegas depois da professora. Assim que começaram a elaborar o alfabeto para fixar na parede da sala, começaram os questionamentos sobre a escrita. Eles perguntavam: “No A posso desenhar um avião, começa com A, né professora? Como escreve avião? Como faz o ão?” E em cada letra
havia questionamentos, na escrita da palavra ilha, escreveram ila. De minha parte, eu lia para eles a palavra que escreviam, perguntando se estava faltando alguma letra, eles acham que sim e perguntavam: “Como faz lha?” Nesse momento ajudo, como professora, fazendo pergunta para eles, sobre a letra inicial, o som da letra, que sílaba escreveram, que sílaba falta, até que concluíam seus trabalhos. Em relação ao trabalho realizado por eles, um momento de produção do seu material, de construção de uma aprendizagem significativa Jolibert e Sraïki ressaltam que
a eficácia e a profundidade das aprendizagens dependem do poder que os aprendizes detêm sobre suas próprias atividades: o que estas significam para eles; que representações têm das tarefas que devem realizar para atingir um objetivo; como gerem o tempo, os espaços, os recursos [...] Ele mobiliza toda sua mente e toda sua energia para atingir, com a ajuda dos demais, os objetivos de progresso que determinou para si. (JOLIBERT, SRAÏKI 2008 p16)
Após o alfabeto ser exposto, observamos que o mesmo passou a ser objeto de consulta para eles, num primeiro momento, eles olhavam os desenhos, os tipos de letras, depois observamos que eles estavam consultando a escrita do nome da figura.
Essa atividade contribuiu para a construção de um ambiente alfabetizador. Com essa proposta, a partir de um alfabeto produzido pelos alunos, a sala tomou formas dadas por eles, o ambiente se moldou a partir das experiências construídas pelos alunos. Nesse sentido, Nörnberg e Pacheco afirmam que
a sala de aula precisa ser pensada como espaço físico que acolhe; espaço disposto para o trabalho; ambiente no qual é possível localizar-se e locomover-se, com segurança, na direção da aprendizagem. [...] espaço que cultiva a responsabilidade de gerar, de criar, de fazer algo para que as crianças possam reconhecer a sala de aula com um lugar próprio, ao mesmo tempo pessoal e coletivo de aprendizagem. (NÖRBERG e PACHECO, apud DALLA ZEN 2010 p. 69)
Quando observamos os alunos consultando materiais que eles produziram, percebemos a importância de proporcionar essas atividades, pois eles podiam procurar as respostas para tirar suas dúvidas, já que eles conheciam o caminho.
Na atividade sobre a leitura “O caracol viajante”, de Sônia Junqueira, escrevemos o texto no papel pardo para fixar na sala, pensando em explorar bastante o material, a escrita, a interpretação, a estrutura do texto (título e nome do autor). Com o texto na parede fazíamos perguntas para que respondessem oralmente: Qual o nome do texto? Qual o nome da autora? Quem é Rodolfo? Sobre o que o texto fala? Por que Rodolfo vive sempre satisfeito? Como ele anda? Precisávamos organizar o grupo de alunos, porque todos queriam responder juntos, um primeiro que o outro.
Em relação aos questionamentos sobre o trabalho com textos na alfabetização, principalmente quando nem todos os alunos estão alfabetizados, ou seja, como poderão ler algo se ainda não conhecem o sistema escrito. Recorre-se a Carvalho (2005, p.49) “é fundamental no período de alfabetização trabalhar de forma que os alunos possam compreender o sentido do material escrito, nesse sentido o texto traz elementos que contribuem tanto para o reconhecimento das letras e dos sons e a compreensão do que se está lendo contribuindo assim para a alfabetização e o letramento”.
O material produzido pelos alunos ficou fixado na parede da sala, a fim de contribuir para a promoção de um ambiente alfabetizador e também para servir como um elemento a mais de consulta para os alunos. Após fizeram a identificação das palavras a partir dos desenhos. Outra ação foi desenhar no quadro um caracol e pedir que identificassem onde estava escrito a palavra no texto, fizemos a mesma coisa com as palavras: casa, barriga e cabeça. Ao final, grifamos no cartaz as palavras: pressa, sempre e aluguel, chamando a atenção para a forma da escrita e o som de pr e gu. Essa atividade foi bastante significativa para eles, já que a grande maioria conseguiu encontrar a palavra e puderam reescrevê-la.
Essas atividades contribuem para a formação do sujeito escritor com competência, diferentemente das atividades mecânicas e repetitivas, cuja escrita visa trabalhar algumas letras. Atividades significativas, ou seja, atividades contextualizadas, elaboradas a partir do interesse das crianças, que dão oportunidade de participação, introduzem o aluno no mundo da escrita, servem como modelos para que a criança possa produzir. Carvalho afirma que
para compreender e saber produzir textos, as pessoas possuem uma competência linguística denominada competência textual. Mesmo as crianças pequenas possuem essa capacidade, que podem ser melhoradas por meio de exercícios e atividades orais e escritas. (CARVALHO, 2005 p. 50)
Assim compreendemos que as atividades pouco significativas, como uma sequência de frases ou palavras, cujo único objetivo é memorizar, que não demonstram relação nem com a realidade do aluno e tampouco com a ludicidade, dificilmente serão produtores de motivação e curiosidade nas crianças.
Um momento importante de reflexão para os alunos, sobre a escrita, a leitura e a produção de texto e também sobre o trabalho da professora aconteceu na produção do texto coletivo. A atividade iniciou um dia antes, quando foi solicitado que cada um fizesse seu bilhete para entregar aos responsáveis. Foi entregue apenas uma folha em branco, cortada no tamanho que pudessem escrever seu bilhete. Começamos dizendo: “hoje vocês vão escrever seus bilhetes para levar para casa”.
No bilhete pedimos que escrevessem que no dia seguinte todos deveriam trazer um objeto de que gostassem muito, que fosse importante para eles, para que pudéssemos contar a história do seu objeto à turma. No dia seguinte todos chegaram a sala com seus pertences, felizes e orgulhosos. Muitos estavam ansiosos para contar suas histórias aos colegas. Iniciamos possibilitando que todos, um a um, falassem e mostrassem seu objeto, tinham brinquedos, bichinhos de pelúcia (seus companheiros na hora de dormir), produtos de beleza, perfumes, porta-joias. Após a história, pedimos que desenhassem o objeto trazido e assim o fizeram, no momento seguinte expus seus trabalhos e os convidamos para escrever uma história em que todos esses objetos se encontrariam. Uma aluna disse: “Isso vai ser muito legal”.
O texto foi intitulado, por eles, “A família Max Steel”. Começaram dizendo que Max Steel encontrou uma menina e se apaixonou, então eles davam opiniões como, por exemplo: “escreve aí professora que eles foram na pracinha, já sei, diz que eles tiveram uma filhinha, escreve do meu brinquedo, da minha cartinha”.
Todos estavam muito ansiosos para falar, queriam expor suas ideias, pediam: “Deixa eu, deixa eu...”’. A professora como mediadora, ia organizando suas falas na forma de texto observando os parágrafos, explicava a necessidade de colocar as vírgulas e pontos e lia para eles ignorando a pontuação para que compreendessem o seu uso. Ao final, quando já havia mencionado todos objetos, fixamos o texto na parede da sala e organizamos as crianças em fila dizendo que eles eram os autores daquele texto. Percebemos como foi importante esse momento, cada um esperando sua vez para colocar seu nome. Os alunos puderam vivenciar uma situação real de escrita e leitura, sendo produtores de aprendizagens significativas, nesse momento recorro às palavras de Jolibert e Sraïki:
as crianças aprendem a fazer fazendo (e não se preparando para fazer mais tarde) e encontrando na vida situações-problema que as estimulem e as obriguem a avançar em suas aprendizagens para “superar o obstáculo”. Elas aprendem dialogando, interagindo e se confrontando com os outros. As crianças constroem suas aprendizagens quando o que fazem, ou que lhes é proposto, faz sentido para elas. (JOLIBERT, SRAÏKI 2008 p16)
Práticas de alfabetização e letramento acontecem conforme buscou-se trabalhar em sala de aula, ou seja, em situações reais de escrita, e contato com produções dos alunos, para que eles pudessem se sentir autores. De forma não aprofundada nos limitamos, às vezes, a ideia de que o letramento tem como base o trabalho com rótulos e placas, nos textos escritos nas ruas, que informam e orientam. O letramento está para, além disso, pois também tem
como função a produção, colocar o sujeito na situação de autor, refletindo e interferindo sobre o material que lê e escreve.
Considerações finais
A partir dos dados obtidos foi possível observar que atividades elaboradas de acordo com as vivências dos alunos, propostas e pensadas a partir de suas produções podem levá-los a se sentirem produtores de sua aprendizagem. É nesse momento que o professor desloca o foco para a aprendizagem do aluno, fazendo-o conseguir se expressar por meio de suas próprias ações. Escrever sobre suas coisas, sobre o que criou e ler coisas de seu interesse, de seu mundo.
Atividades que colocaram o aluno como ponto de partida foram mais motivadoras, tão capazes de colocá-los no mundo escrito quantos outros métodos são capazes, com a vantagem de inseri-los na cultura letrada. Ou seja, a partir de atividades contextualizadas, os alunos formam-se leitores, sabendo o sentido da escrita, lendo, usando enfim o material escrito, identificando que ali tem uma mensagem. Produziam textos, ainda que por meio de um escriba, usavam o livro, formando-se enquanto leitores constroem sua ação alfabetizadora.
A criança leitora assim se constrói, por meio de personagens e histórias conhecidas e tantas outras que lhes são ora apresentadas, ora descobertas. Que outro caminho pode levar alguém a se fazer um leitor se não lendo? É nesse ponto que fica evidente a necessidade de romper com práticas de memorização, se queremos colaborar para a construção do sujeito leitor.
Essas atividades que denomino contextualizadas, motivadoras, significativas, tiveram papel importante, na medida em que se configuram nessa trajetória, como elemento reflexivo para ação pedagógica em relação a aprendizagem, porque foi possível observar entusiasmo para aprender, vontade de saber e participar, o que se chama de ser autor. Isso fica claro quando menciona-se que os alunos solicitam a vez de falar, pedindo para dar sua opinião, desejando ter sua fala transcrita pela mão do professor, porque isso é sua produção, é sua autoria.
1 Graduanda do curso de Pedagogia/ CNEC - Osório/RS –
² Professora orientadora/CNEC – Osório/RS – FACOS
Referências
CARVALHO, Marlene. Alfabetizar e Letrar: Um diálogo entre a teoria e a prática. Petrópolis, RJ: Vozes, 2005.
DALLA ZEN, Maria Isabel; XAVIER, Maria Luisa M (org.). Alfabeletrar: Fundamentos e práticas. Porto Alegre: Mediação, 2010.
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