domingo, 23 de março de 2014

Supervisão Pedagógica

REUNIÕES PEDAGÓGICAS
Roseni Lessa Lopes[1]
Ana Fausta Borghetti²
RESUMO
Esse artigo foi elaborado com base nas observações de reuniões pedagógicas realizadas em duas escolas da rede pública do Litoral Norte. Uma estadual localizada no município de Osório e outra municipal, localizada no município de Tramandaí.
Durante a observação foi investigado se as reuniões de escolas públicas são momentos de estudo, discussão e reflexão sobre a prática pedagógica, foi observado como são organizadas as reuniões em relação; procuramos identificar momentos de estudos coletivos nas reuniões pedagógicas e averiguáramos se havia a existência de momentos de debates reflexivos sobre a prática educativa.

PALAVRAS-CHAVE
Reuniões pedagógicas. Práticas pedagógicas.
INTRODUÇÃO
Pensar sobre a forma como são elaboradas as reuniões pedagógicas nas escolas é uma temática relevante, já que esse momento tem grande importância para o trabalho pedagógico podendo qualificar a prática docente e diminuir com processos de fragmentação do saber. É no momento das reuniões que professores podem promover espaços de troca de saberes, experiências, falar de seu trabalho, aprender pela prática educativa no coletivo. Esse momento pode romper com processos de alienação e fragmentação do conhecimento, tantas vezes discutidos por tratar o saber como forma segmentada.
Nesse trabalho colaborativo entre professores, alunos e gestão escolar é possível atribuir mecanismos para a reflexão, estudo e aproximação entre a teoria e a prática numa ação que contempla o pensamento crítico e reflexivo.
O formato das reuniões pedagógicas apresentados nas escolas têm deixado alguns questionamentos quanto ao seu andamento. São momentos que podem ser pensados a partir da produção de conhecimento e do estudo coletivo, contudo às vezes são temas deixados de lado. Esses encontros são momentos muito importantes para o funcionamento da escola, tratando-se de ocasiões em que os professores podem falar de suas angústias, de sua ação docente, espaço onde se pode discutir de forma coletiva com vistas a qualificar o trabalho do professor, agregando qualidade a prática educativa.
Esse artigo fundamenta-se com base nessas questões, que são de extrema relevância para a ação do professor, para a produção de conhecimento, para a formação continuada, para a qualificação do professor e para a consolidação de uma educação de qualidade.
As reuniões pedagógicas deveriam constituir um momento de aprendizagem para os professores, mas geralmente se voltam para recados, avisos e organização de espaço e apresentações decorrentes de datas comemorativas. Questões de aprendizagem devem ser temas constantemente debatidos nas reuniões escolares, para que esse momento seja mais um instrumento de contribuição no processo de ensino e aprendizagem.
Esses períodos podem contribuir para formação do professor, vale salientar que é na relação com os colegas que professores podem pensar suas práticas num momento de reflexão, fundamentação e construção teórica. Essas questões são de extrema relevância para a ação docente, devendo tornar-se uma prática cotidiana nas escolas.
Durante a realização desse trabalho objetivou-se investigar se as reuniões de escolas públicas são momentos de estudo, discussão e reflexão sobre a prática pedagógica, observar como são organizadas as reuniões em relação a situações de aprendizagem, identificar momentos de estudos coletivos nesses encontros e averiguar momentos de debates reflexivos sobre a prática educativa.
REFERENCIAL TEÓRICO
As reuniões pedagógicas têm a função de proporcionar aos professores momentos de trocas de experiências, angústias e saberes.  Nem sempre esses são momentos proporcionados aos professores que muitas vezes precisam dividir esse espaço com assuntos burocráticos e recados. A reunião pedagógica deve ser um momento de partilha para que se possa buscar a aproximação entre a teoria e a prática, rompendo com processos de rupturas na educação. Dessa forma, Libâneo salienta que:

[...] uma prática reflexiva - nas reuniões pedagógicas, nas entrevistas com a coordenação pedagógica, nos cursos de aperfeiçoamento, nos conselhos de classe e etc. – leva a uma relação ativa e não queixosa com os problemas e dificuldades. (LIBÂNEO, 2001 p 190)

É nessa relação de troca de saberes e experiências que é possível efetivar a prática docente e a construção do professor em momentos de estudos e debates que acontecem no coletivo. Vasconcellos afirma que

devemos considerar que o trabalho do professor tem uma dimensão essencialmente coletiva: não é o único que atua na escola e o que faz não é para si, já que presta um serviço a comunidade. Além disto, o sujeito isolado, lutando por uma nova ideia, não vai muito longe. A reunião semanal é um momento especial para o resgate deste coletivo. (VASCONCELLOS, 2006 p 120)

É no momento das reuniões que professores podem estabelecer suas parcerias, trocar e qualificar suas ideias, agregando experiências dos outros e formando seu grupo de trabalho. Ter essa visão do trabalho coletivo é importante para que a troca aconteça efetivamente. É nesse momento que o trabalho do coordenador possui extrema importância, já que ele tem a função de articular saberes da prática dos professores com conhecimento teórico, criando oportunidade de debate e reflexão, aproximando teoria e prática. Quanto ao trabalho do coordenador pedagógico, Libâneo ressalta que

seu trabalho está a serviço das pessoas e da organização, requerendo deles uma formação específica para buscar soluções para os problemas, saber coordenar o trabalho conjunto, discutir e avaliar a prática, assessorar e prestar apoio logístico aos professores na sala de aula. (LIBÂNEO, 2001 p 181)

Além de criar um ambiente propício ao estudo e a resolução de problemas o trabalho do coordenador pedagógico deve envolver-se profundamente com questões de aprendizagem, a fim de que se possa promovê-la. Para o pesquisador e escritor Libâneo (2001) a prática do coordenador pedagógico deve acontecer de maneira que possa haver troca e situações de reflexão e investigação sobre o trabalho docente.  Nesse sentido, Libâneo colabora ao dizer que

a coordenação pedagógica tem como principal atribuição a assistência pedagógico-didática aos professores, para se chegar a uma situação ideal de qualidade de ensino (considerando o ideal e o possível), auxiliando-os a conceber, construir e administrar situações de aprendizagem adequadas às necessidades educacionais dos alunos (LIBÂNEO, 2001p 183.

O trabalho do coordenador nas reuniões deve priorizar questões de aprendizagem, das dificuldades encontradas pelo professor na sua ação. Colaborar com os professores, para que possam buscar, na medida do possível, ações para as dificuldades encontradas, pensando ações de aprendizagem, de avaliação, currículos e tudo aquilo que constitui a essência da escola.
As reuniões pedagógicas devem acontecer periodicamente, nesses encontros os professores e a coordenação podem abordar questões necessárias ao andamento da escola, como a passagem de recados e a organização de eventos escolares. Mas é crucial que a prática pedagógica, a troca de experiência, a voz dos professores sobre sua prática devem sempre estar em evidência, pois isso constitui um momento rico de formação continuada, é na ação diária da prática pedagógica que o sujeito se constitui como professor, elaborando questões do cotidiano. Dessa forma, Libâneo contribui ao afirmar que
a formação continuada é condição para a aprendizagem permanente e o desenvolvimento pessoal, cultural e profissional. É na escola, no contexto do trabalho, que os professores enfrentam e resolvem problemas, elaboram e modificam procedimentos, criam e recriam estratégias de trabalhos e, com isso, vão promovendo mudanças pessoais e profissionais. (LIBÂNEO, 2001 p.189)

É no ambiente da escola, na ação diária que o professor aprende a lidar com as várias situações que se apresentam. Isso constitui um espaço contínuo de aprendizagem e elementos de pesquisa para além da formação continuada e sim uma formação permanente, o professor está em contínuo processo de aprendizagem, por tratar-se de uma profissão essencialmente humana. Nesse sentido Libâneo salienta que

uma formação permanente que se prolonga por toda a vida, torna-se crucial numa profissão que lida com saberes e com a formação humana, numa época em que se renovam os currículos, introduzem-se novas tecnologias, modificam-se os comportamentos da infância e da juventude, acentuam-se os problemas sociais e econômicos. (LIBÂNEO 2001 p 189)

A escola é um ambiente extremamente segmentado e burocratizado, podemos verificar isso nos temas que aparecem com frequência nas pautas das reuniões, e que de certa forma tornam-se os principais assuntos. Vasconcellos (2006), diz que a reunião semanal pode transformar-se num momento de reflexão, em que os professores podem partilhar de suas experiências e angústias e também de seus sonhos. Esse momento, quando bem organizado e elaborado pode contribuir também para a construção de projetos e para o estudo. Nesse sentido Vasconcellos afirma que

esta atividade favorece a consolidação de uma continuidade educativa (por possibilitar a superação de célebres justaposições ou rupturas no processo de ensino), bem como a formação de uma autêntica equipe de trabalho, dando maior coesão e interação, e não apenas o ajuntamento de profissionais que, por mais brilhantes que sejam, se não desenvolverem esta competência de trabalhar coletivamente, não garantem o processo emancipador. (VASCONCELLOS, 2006 p 121)

Nessa ação de refletir coletiva e criticamente a prática pedagógica que é possível discutir uma ação transformadora, observar aspectos negativos e positivos e considerar elementos que podem ser agregados no trabalho do professor. Dessa forma, Vasconcellos colabora ao dizer que

a reunião pedagógica é um espaço privilegiado para resgate do saber de mediação do professor, qual seja a mediação que o docente faz entre os saberes das ciências de referência com as quais trabalha e os saberes pedagógicos (o saber do cotidiano da sala da aula). Todavia, o saber do professor tem outra referência: sua prática refletida, que vai além do modelo clássico Teoria/Prática, no qual o professor, durante sua formação, aprenderia conceitos gerais e abstratos que trataria depois de traduzir em práticas concretas. (VASCONCELLOS, 2006 p 123)

As reuniões pedagógicas são momentos de aprendizagem, aprende-se pela ação do outro, na troca de experiência, no processo de colocar sua ação docente em questão, suas dificuldades, pensar coletivamente sobre que aspectos favorecem o processo de aprendizagem.

METODOLOGIA
Esse artigo foi elaborado a partir de uma pesquisa qualitativa, caracterizada como estudo de caso, realizada por meio de observações em duas escolas, uma municipal localizada em Tramandaí, que atende turmas de 1°  até o 6° ano e a outra, uma escola estadual no município de Osório, que oferece de 1° ano do ensino fundamental até o ensino médio. Os dados coletados foram registrados num diário de campo para serem confrontados com teóricos que tratam dessa temática. Os teóricos escolhidos para a análise são Vasconcellos (2006) e Libaneo (2001). No decorrer do trabalho foram observadas 15 horas na escola municipal e 21 horas de reuniões na escola estadual, totalizando 36 horas observadas.
A escola estadual segue um cronograma realizado no início do ano onde constam as datas das reuniões previstas para o decorrer do ano letivo, com as respectivas temáticas a serem discutidas. Vale salientar que quando necessário essas reuniões são mudadas de acordo com a necessidade, há uma regularidade nos períodos das reuniões, que são de quinze em quinze dias aproximadamente e o tempo de duração dessas reuniões é de 4 horas. Inicialmente as reuniões eram apenas para as professoras dos anos iniciais e depois esses professores foram encaminhados para a formação que acontece na escola com os professores do ensino médio.
Na escola municipal as reuniões são marcadas de acordo com a necessidade, sem aviso prévio, sendo divulgadas, às vezes, na semana em que vai acontecer e são raríssimas as vezes em que são discutidos temas específicos de ensino/aprendizagem, estabelecendo sua pauta em recados e a maneira como os professores devem proceder com seus alunos nos assuntos referentes a disciplina.
RESULTADOS
Há certa distância entre a teoria e a realidade sobre a forma como acontecem as reuniões pedagógicas nas escolas. As reuniões têm acontecido de forma mecânica e compartimentada, demonstrando pouca preocupação com a verdadeira essência da escola: o processo ensino-aprendizagem.
Essa realidade acarreta mais distâncias e rupturas no fazer pedagógico no interior das escolas. São poucos ou inexistentes os momentos de debate e reflexão, promovendo um histórico de alienação. Nesse sentido Vasconcellos ressalta que

Sabemos que a fragmentação da vida e do saber fragiliza a pessoa, e é uma estratégia da classe dominante para sua perpetuação. Um dos macroprocessos que se instalou em nossa civilização é precisamente a divisão social do trabalho: uns pensam, decidem e ficam com os resultados; outros executam e recebem o mínimo para sobrevivência. (VASCONCELLOS, 2006 p 119)

Essa é uma divisão da sociedade, que a escola reproduz no seu interior. O saber é fragmentado, as pessoas estão isoladas, o currículo é dado a priori, desconsiderando o grupo de alunos e professores. A escola como espaço de promoção do saber, precisa romper com esse processo que segmenta e desagrega. As reuniões podem ser um bom momento para elaborar questões de aprendizagem e currículo de forma reflexiva, a partir do conhecimento daqueles que estão envolvidos nesse processo. Nesse sentido Libâneo corrobora dizendo que
[...] nesse espaço é possível a criação e desenvolvimento de novos comportamentos, novos habitus. Reaparece, aí, a necessidade de as escolas cultivarem momentos de prática reflexiva, pois dessa reflexão sobre a ação podem nascer mudanças na estrutura de relações vigente na escola visando criar uma nova cultura organizacional. (LIBÂNEO 2001 p 195)

Ao ser questionado sobre a existência de um momento para debate sobre a prática educativa a escola A responde que há, mas é um debate que fica limitado as queixas das professoras sobre o comportamento dos alunos, havendo pouca exposição do trabalho e partilha de saberes. A escola B respondeu que não há nas reuniões esse espaço mas que sempre está aberta para ouvir os professores, podendo realizar atividades para isso, e que no momento do conselho de classe cada um tem tempo para suas exposições. Dessa forma Libâneo diz que

a organização desse espaço implica a criação de lugares e tempos que incentivem as trocas de experiências entre os professores e professores e alunos, de modo a se implantar uma cultura colaborativa. Há um papel de destaque nisso da direção e coordenação pedagógica da escola para apoiar e sustentar esses espaços de reflexão, investigação, negociação e tomadas de decisão colaborativa. (LIBÂNEO, 2001 p 196)
Quando questionados sobre a existência de um momento para estudo dos professores nas reuniões pedagógicas a escola A mencionou sempre levar um texto para discussão e debate e a escola B disse nunca ter levado um tema para estudo nas reuniões.
Os dados coletados nas escolas demonstraram uma visão fragmentada, um momento coletivo, de importância para a educação, utilizado de forma equivocada, com temas que desestimulam os professores, não acrescentam saber a sua ação e tampouco colaboram para a produção da prática refletida, tornando uma constância no processo educacional. Nesse sentido Vasconcellos ressalta que

os sujeitos vão sendo despertados para uma nova consciência pela convivência reflexiva, e isso permite a cada um assumir tarefas num nível cada vez mais profundo e crítico. Esta prática vai minando a corrente de alienação e prepara um movimento maior de mudança. A escola deve participar desse processo: uma nova estrutura, para favorecer a reagregação do homem, deve permitir o encontro, a reflexão, a ação sobre a realidade, numa práxis libertadora. (VASCONCELLOS, 2001 p 119)

A escola tem em seu poder grandes momentos para romper com esses processos, que colaboram para promoção da alienação. Utilizar esses momentos para tornar a prática refletida colabora para a promoção de uma prática transformadora.
É necessário que as escolas se organizem de maneira que os professores tenham mais espaços nas reuniões pedagógicas, que possam participar delas como produtores, daquilo que é necessário para o fazer pedagógico e não para apenas aquilo que é apontado como falha do professor nas instituições. É evidente que o professor precisa estar em constante formação e que deve procurar aperfeiçoar questões que lhes apresentam mais dificuldades.
Foi observado na escola A que existe um pouco mais de preocupação com questões pedagógicas do que na outra, contudo, ainda assim essa temática é deixada para o final, bem como o momento de planejamento, dando prioridade para assuntos administrativos e recados que são passados no início das reuniões. Sendo assim, os momentos restantes são divididos entre planejamento, troca de experiências e questões de aprendizagem.
Na escola B os momentos das reuniões pedagógicas são realizados com menos frequência e os assuntos dominantes nas reuniões são questões administrativas, onde são passados recados e instruções de como os professores devem organizar as turmas para que haja disciplina. Nessa escola foi percebido um envolvimento menor com a temática ensino/aprendizagem, não havendo nenhum momento de troca de saberes e experiências, sendo que os professores dessa escola acabam realizando atividades que deveriam ser feitas no coletivo de forma isolada.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 Ainda será preciso mais discussões e orientações sobre o tratamento das reuniões como espaço de aprendizagem e troca de experiências, percebe-se que se têm um logo caminho a ser percorrido, para que efetivem a prática pedagógica como protagonista do sistema educacional.
Embora as discussões apontem para que esse seja um espaço democrático e não fragmentado ainda se trata de um território hostil. Em algumas situações por falta de envolvimento por parte dos professores, e em outras por condução inadequada dos gestores. A questão que poderia romper com esses processos existentes na escola, poderia ser uma mudança na postura dos professores, levantando essas questões nas reuniões, propondo momentos de interação com os outros professores e de troca de saberes e experiências.
Isso constituiria numa tomada de posição, em que o professor sai de uma situação de acomodação para o envolvimento nessas questões referentes à aprendizagem e a abertura de espaços, por parte dos gestores, para que os professores possam se manifestar.
A grande questão é que estamos caminhando obrigatoriamente para que esses momentos tenham como prioridade os encaminhamentos pedagógicos, de maneira que nesse espaço possa haver trocas de experiências e estudos, e que questões de salas de aulas, conflitos das relações pessoais dos envolvidos nesse processo (alunos, professores, famílias e gestores) possam caminhar ao encontro de soluções possíveis para as dificuldades vivenciadas no interior das escolas.

REFERÊNCIAS
LIBÂNEO, José Carlos. Organização e gestão da escola: teoria e prática. Goiânia: Editora Alternativa, 2001.
VASCONCELLOS, Celso dos Santos. Coordenação do trabalho pedagógico: do projeto político-pedagógico ao cotidiano da sala de aula. São Paulo: Libertad Editora, 2006.



[1] Graduanda do curso de Pedagogia/ CNEC - Osório/RS – FACOS
² Professora orientadora /CNEC – Osório/RS – FACOS.

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